quarta-feira, 19 de outubro de 2011

E POR TI CONDUZIDOS TODO O MAL EVITAREMOS



A orientação dada pelo Espírito Santo e o discernimento espiritual, segundo R. Cantalamessa.




Raniero Cantalamessa, no capítulo 19 de seu livro , “O canto do Espírito”, aborda a questão do discernimento do Espírito, aprofunda nos âmbitos em que ele se dá e discorre sobre a condução ou o guiar que o Espírito Santo faz na vida daqueles que o ouvem e se abrem a ele.

Cantalamessa inicia seu capítulo falando de duas frentes de batalha: uma contra o mal e aquela da decisão e da escolha. Neste ponto o autor faz uma alusão à liberdade humana e sua capacidade de escolhas e decisões. Unido a essas capacidades está a angústia de escolher, pois ela sempre implica uma renúncia.

O pregador da casa pontifícia afirma que mesmo o homem de fé, ao conhecer o projeto de Deus para a humanidade e tomar a decisão de conformar sua vontade à Deus, precisa continuamente “discernir o que é conforme este projeto e o que lhe é contrário, ou não tão conforme” (CANTALAMESSA, R. p.331).

Nota-se, que o frade capuchinho vai delineando como primeiro âmbito da ação do Espírito Santo a questão da consciência humana e o seu sacrário interior onde a voz do Espírito fala ao homem e o auxilia a discernir entre o bem e o mal. Ou seja, a seguir em busca do bem e a afastar-se do mal.

Esse guiar do Espírito encontra-se claro na Escritura e na Tradição cristã. Apresentado várias vezes como “nuvem luminosa” ou “coluna de fogo” que vai a frente do povo e o guia para a terra prometida e porque não, para Cristo? Assim são as tipologias de Paulo, que afirma que do mesmo modo como no deserto o povo de Deus era conduzido pela nuvem, que é o próprio Espírito, e que também conduziu a vida de Jesus, agora o Espírito guia a Igreja e a conduz.

De tal maneira, o Espírito Santo tem diversas ações: ele manda, inspira, dirige, impede e impele. Isso faz com que o Paulo chegue a dizer que é “prisioneiro” do Espírito (At 20, 22).

A consciência é, portanto, onde se dá um dos papéis de direção do Paráclito, mas como isso se dá? Cantalamessa diz que existe uma íntima relação da consciência com o Espírito e que isso não se dá apenas para os católicos, mas para todos, estendendo-se além das linhas da Igreja, como que uma lei interior gravada nos corações humanos. Essa lei é diferente e inferior à da graça, mas em sintonia com ela, e para aqueles que crêem em Cristo ocorre uma dinamização que faz do Espírito Santo o “mestre interior”, ou “o grande didáscalos, ou seja, o mestre da Igreja”[1] que produz interiormente no homem as “boas inspirações” ou “iluminações interiores” que todos alguma vez na vida tiveram e que o fizeram praticar o bem e evitar o mal.

Quanto ao segundo âmbito de ação do Espírito, Cantalamessa afirma que ela se dá na comunidade, ou melhor dizendo, na Igreja, que é onde o testemunho interior e pessoal pode se conjugar com o testemunho exterior e público. Pois o Espírito não fala apenas ao indivíduo, mas também na comunidade e por ela, aqui está a importância do magistério apostólico.

Assim, há dois testemunhos que despertam a fé: o dos Apóstolos e o do Espírito, o daqueles que pregam e o daquele que abre os corações e as mentes para ouvirem e acolherem. Sem esses dois atuando conjuntamente pode haver o jurisdicismo, o autoritarismo, o subjetivismo, o fanatismo, menos a ação evangélica por meio do Espírito.

Isso acarreta o risco de um reducionismo subjetivista e individualista incontrolável que abre margem para inúmeras divisões, onde cada um pensa deter a verdade e para evitar contestações rejeitam toda e qualquer testemunho externo eclesial, para valer apenas o testemunho interno e pessoal, fazendo da Bíblia seu único fundamento ao qual interpretam à revelia, por critérios próprios.

Outros riscos: a tendência de diminuir o Espírito e fazer dele um espírito humano, sem o “E” maiúsculo que lhe é próprio, o que leva ao racionalismo; a absolutização do testemunho externo e público, de modo a ignorar o testemunho individual, clericalizando excessivamente a Igreja e marginalizando o laicato.

O que se deve levar em conta é a necessidade de harmonização entre o que diz o Espírito como testemunho interno e a escuta do que diz o Espírito à Igreja em seu conjunto, e que através dela transmitido aos indivíduos. O que leva à essa harmonização é o mesmo Espírito, é ele quem promove o discernimento entre o que é de Deus e o que é do humano. Paulo fala de um carisma do discernimento dos espíritos, tal carisma leva à distinção entre o que é revelado, ou seja, vem do Espírito de Cristo, e o que provêm de outros espíritos, humanos ou diabólicos. Este ponto é essencial para discernir a verdadeira das falsas doutrinas, a ortodoxia da heresia.

Como diz o Concílio Vaticano II, é preciso saber “ler os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho”. Mas como podemos perceber, esse ler os sinais e discernir se dá em dois terrenos, o eclesial e o pessoal. Daí a importância do “Aggiornamento” da Igreja, resgatando a colegiabilidade dos Bispos que os levam a confrontarem-se apresentando pontos de vista em conflito e após discutirem, tomarem uma decisão. Como se deu no chamado Concílio de Jerusalem, onde foi proclamada a fórmula: “Pois decidimos, o Espírito Santo e nós...” (At 15, 28).

Quanto ao terreno do discernimento pessoal, Cantalamessa afirma que está a unido a esse discernimento o “dom de conselho” que ajuda o outro a avaliar e a orientar as opções à luz da fé. Todavia, Paulo fala de alguns critérios de discernimento. Segundo o Apóstolo, são os frutos que revelarão se o que se faz são “frutos da carne” ou “frutos do Espírito”. Santo Inácio de Loyola, por sua vez, diz que para uma reta escolha se deve considerar as próprias disposições interiores que se escondem por detrás da opção.

A obra do discernimento é do Espírito, portanto, não se pode acentuar os aspectos psicológicos esquecendo-se daquilo que é anterior e que exerce a primazia no discernir. O Espírito Santo, ao entrar na vida de uma pessoa, “manifesta-se como a própria vontade de Deus para a pessoa em quem se encontra”[2].

O Espírito Santo não age de modo admirável e miraculoso, diz Cantalamessa, mas por meio da palavra da Sagrada Escritura. Há, porém, que se cuidar para não instrumentalizá-la, e nem fazer de seu uso algo mecânico, sendo também temeroso abri-la ao acaso como meio de consulta. Ainda que seja licito e que por diversas vezes na história da Igreja Deus tenha se revelado e falado dessa forma, não se pode fazer dela um hábito, pois corre-se o risco de interpretações subjetivistas.

Ao se abandonar e se deixar conduzir pela guisa do Espírito, somos levados por aquele que guia, mas não é guiado, dirige, mas não é dirigido, conduz, mas não é conduzido, pois age e sopra quando, onde e da forma como lhe apraz. Aqui deve se tomar o cuidado para não se tomar decisões e atribuí-las ao Espírito, como que o sugestionando, dando-lhe conselhos, ao invés de recebê-los.

Como que uma lâmpada purificadora, que brilha sob a inteligência humana e a ilumina e a conduz, como um farol conduz e guia os barcos na escuridão, até o porto seguro a fim de evitar-lhes o naufrágio nos recifes e corais. Compreender e deixar-se levar por esse soprar do Espírito que fala, ensina e instrui é alcançar a harmonia e deixar-se filialmente e obedientemente nas mãos de Deus para que na vida tudo seja feito pelo Espírito.

BIBLIOGRAFIA:
Cantalamessa, R. Canto do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1998. Capítulo 19, p.331-347.



[1] Cf. Agostinho, apud in: CANTALAMESSA, R. Canto do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1998.

[2] Cf. Guilherme de S. Thierry. O espelho da fé, 61 (SCh 301, p. 128). Apud in: Cantalamessa, R. Canto do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1998.



A Igreja - Luz para os povos

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA “LUMEN GENTIUM” SOBRE A IGREJA

Murah Rannier Peixoto Vaz

A Lumen Gentium, que significa Luz dos Povos, foi um dos documentos publicados pelo Concílio Ecumênico Vaticano II. Este documento é uma Constituição Dogmática a respeito da Igreja e visa esclarecer a identidade e a missão da Igreja, que tem como modelo o seu fundador. A Lumen Gentium possui oito capítulos e levanta as seguintes questões: De onde vem a Igreja? O que é? Para onde vai? O documento apresenta uma tríplice constituição da Igreja: cristológica, antropológica e sacramental. Seu primeiro capítulo, intitulado “O Mistério da Igreja” apresenta a origem trinitária da Igreja que brota do mistério de Deus e deve testemunhá-lo ao mundo. A Igreja não tem outra luz senão a de Cristo, os Santos Padres apresentam a Igreja como a lua, cuja luz é o reflexo do sol: Cristo.

O capítulo I ainda aborda o rompimento das relações da humanidade com seu Criador e afirma que Deus não abandonou os homens e sempre lhes concedeu os auxílios para se salvarem (LG 2). Por isso a Igreja é apresentada como projeto do Pai Eterno, fundada em seu Filho para n’Ele oferecer aos homens a possibilidade de uma nova e “íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG 1). Por isso a Igreja, como plano salvífico do Pai Eterno, possui uma natureza e missão universal. Ela é o Reino de Cristo já presente em mistério, que cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus. Podemos assim concluir que a Igreja nasce da vontade Salvífica do Pai e se consumará na Glória.

Por sua própria natureza, a Igreja é o Corpo místico de Cristo e, sobretudo, pelos sacramentos do Batismo e da Eucaristia, somos unidos de modo misterioso e real a Cristo padecente e glorioso (LG 3). De tal modo, incorporados e assimilados a Cristo, embora muitos membros formamos um só corpo, cujos membros possuem uma multiplicidade de dons e funções, sem prejuízo da unidade, salvaguardada pela participação no único pão e pela presença unificadora do Espírito (LG 7). Sendo o Espírito “um só e o mesmo na Cabeça e nos membros, de tal forma vivifica, unifica e move todo o corpo, que Seu ofício pôde ser comparado pelos Santos Padres com a função que exerce o princípio da vida ou a alma no corpo humano (LG 7)”.

A Igreja é uma sociedade visível e espiritual, porém não se devem considerar como duas coisas, mas uma só realidade complexa em que se fundem o elemento divino e humano (LG 8).

- A Igreja de Jesus Cristo, como sujeito concreto neste mundo, se encontra na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele. Embora a única Igreja subsista em um único sujeito, também fora da Igreja existem elementos de verdade e santificação. Por isso, o esforço do ecumenismo caminha na direção de reabilitar a unidade perdida pelo pecado humano e a impele ao diálogo com outras tradições e expressões religiosas (LG 8).

- Deus torna a Igreja santa, mas, ao mesmo tempo, ela deve realizar em sua própria vida a santidade de Deus. Por essa razão, ela é semper reformanda, chamada a penitência e renovação (LG 8).

- Cristo fortalece sua Igreja para que vença as dificuldades internas e externas. De tal modo, fortalecida por Cristo, a Igreja caminha neste mundo para revelar com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo e sua luz (LG 8).

Tanto no Novo como no Antigo Testamento, a revelação do Reino é muitas vezes apresentada em imagens, cujo pano de fundo expressa uma idéia: A Igreja é Povo de Deus (LG 5-6). É isso que apresenta o II capítulo da LG, denominadoO Povo de Deus”, ele aborda o desenvolvimento histórico desse povo, chamado e constituído por Deus, em busca da santidade, com a dignidade e liberdade de filhos, em cujos corações habita o Espírito Santo. Dizer que a Igreja é Povo de Deus é recordar que nela se cumpre tudo quanto Deus havia preparado em Israel. A Igreja está presente historicamente no mundo, mas o transcende, pois a pátria deste povo é o céu (LG 9).

Jesus é o ungido do Pai e constituído com a missão de ser “Sacerdote, Profeta e Rei-Pastor”. Pelo Batismo o Povo de Deus inteiro passa a possuir a mesma dignidade, participa dessas três funções de Cristo e assume as responsabilidades de missão e serviço que daí decorrem (LG 10-11). Assim, entende-se que há um sacerdócio comum dos fiéis e que junto com o sacerdócio ministerial ou hierárquico (Bispos, Padres, Diáconos) ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em grau. Pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo.

Há na Igreja uma universalidade, pois todos os homens são chamados para serem um em Cristo e se Deus chama todos, ninguém deve ser excluído. Este caráter de universalidade que distingue o Povo de Deus é dom do Senhor (LG 13). Todos os homens são chamados a esta unidade católica do Povo de Deus, a qual anuncia e promove a paz universal, a ela se ordenam, quer os católicos quer os outros que acreditam em Cristo quer, todos os homens em geral, pela graça de Deus chamados à salvação (LG 14-16). A missão da Igreja (Apóstolos) enviada por Cristo para anunciar a verdade salvadora se abre para ir até os confins do mundo para batizar e fazer todos discípulos de Cristo (LG 17).

Os capítulos III, IV e V descrevem a estrutura orgânica da Igreja. Todos os batizados, fiéis ou pastores, têm a mesma vocação fundamental e são associados à mesma missão.

O capítulo III, cujo título é “A Constituição hierárquica da Igreja e em especial o Episcopado” aborda primeiramente a constituição hierárquica da Igreja, especificando a função dos bispos (pregar o Evangelho, governar e santificar o rebanho (LG 21,24-27), presbíteros (LG 28) e diáconos (LG 29), que estão a serviço do povo de Deus, bem como a relação existente entre eles.

Este capítulo expõe a edificação e fundação da Igreja por Jesus Cristo, o qual, chamou doze (LG 19) para serem seus Apóstolos e os enviou, como Ele fora enviado pelo Pai. Jesus quis que os sucessores deles, “os Bispos, fôssem em Sua Igreja, pastores até a consumação dos séculos (LG 18, 20)”. Para promover a unidade e indivisibilidade do episcopado Jesus constituiu o colégio dos Apóstolos e estabeleceu a primazia de Pedro. Ao colocar Pedro à frente dos outros Apóstolos, nele instituiu o princípio e o fundamento perpétuo e visível da unidade de fé e de comunhão.

“A união colegial aparece também nas mútuas relações de cada Bispo com as igrejas particulares e com a Igreja universal (LG 23)”. “Cada um dos Bispos representa a sua igreja, e todos juntamente com o Papa representam a Igreja inteira no vínculo da paz, do amor e da unidade (LG 22)”. De tal modo, pode ser afirmado que a Igreja de Cristo está verdadeiramente presente em todas as legítimas comunidades locais de fiéis, que, unidas com seus pastores, são também elas chamadas “Igrejas” e em cada uma delas está o todo da Igreja.

A seguir o IV capítulo, intitulado “Os leigos”, trata deste estado de vida na Igreja, ou seja, de todos aqueles que não são membros da Ordem ou do estado religioso, e retoma a teologia do ministério comum de todos os batizados e em seguida afirma que compete “por sua própria vocação, procurar o Reino de Deus exercendo funções temporais e ordenando-as segundo Deus” (LG 31). Os leigos, cada vez mais valorizados, são chamados à santidade a partir da sua vida de inserção no mundo, sendo sal e luz, e ao mesmo instrumento e testemunho vivo da missão da Igreja (LG 32-33). Para tal é sempre atual a necessidade de se investir na formação e na participação dos leigos na vida eclesial (LG 35).

O V capítulo da LG, denominado a "Vocação Universal à Santidade", dá imenso destaque à temática santidade, à qual todos na Igreja, desde o dia de seu batismo são chamados (LG 39-40). Este dom de santidade é oferecido a cada batizado, mas o dom gera, por sua vez, um dever, que há de moldar a existência cristã inteira. É um compromisso que diz respeito não apenas a alguns, mas "os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade". Devemos com o auxílio divino, conservar e aperfeiçoar, a vivência desta santidade que recebemos.

Em resposta ao amor de Deus o seu povo deve constantemente ir em busca de viver a sua vocação fundamental, a santidade. Devem também buscar viver os conselhos evangélicos da obediência, pobreza e castidade, mas segundo o estado de vida e cada um (LG 41). O capítulo VI intitulado “Os religiosos” afirma que embora o estado religioso não pertença à estrutura hierárquica da Igreja ele está firmemente relacionado com sua vida e santidade (LG 44). Assim, os religiosos são convidados a viver mais perfeitamente os votos evangélicos, pois ao professarem os votos se tornam testemunhas da vida nova e eterna, adquirida com a redenção de Cristo e, de tal modo, contribuem na vida de santidade da Igreja que peregrina para sua união com a Igreja celeste.

O capítulo VII foi denominado “Índole escatológica da Igreja Peregrina e sua união com a Igreja celeste”. Este capítulo aborda a escatologia da Igreja e afirma que a sua consumação, bem como a santidade de seus membros, só será plena na glória celeste (LG 48), onde tudo será plenamente recapitulado e restaurado em Cristo. Por enquanto a Igreja neste mundo vive em dores de parto, enquanto não chegam os novos céus e a nova terra. Assim, a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores de parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus.

No entanto há uma unidade entre a Igreja peregrina e a Igreja celeste, pois aqueles que já foram acolhidos na Igreja celeste continuam a interceder por aqueles que permanecem na militando na Igreja peregrina (LG 49-50). Também os que estão na Igreja peregrina podem interceder por aqueles que se purificam para serem acolhidos na Igreja celeste. Para maior bem nosso e da Igreja, procuramos na vida dos santos um exemplo, na comunhão com eles uma participação, e na sua intercessão uma ajuda. E ao celebrar o sacrifício eucarístico, unimo-nos no mais alto grau ao culto da Igreja celeste, comungando e venerando a memória, primeiramente da gloriosa sempre Virgem Maria, de S. José, dos santos Apóstolos e mártires e de todos os santos. Ali nos tornamos uma só Igreja a louvar e bendizer a Deus.

O capítulo VIII tem como título “A bem-aventurada virgem Maria, Mãe de Deus,
no mistério de Cristo e da Igreja” e teve como intenção
esclarecer a missão de Maria no “mistério do Verbo encarnado e do Corpo Místico”, mas também “os deveres dos homens remidos para com a Mãe de Deus, Mãe de Cristo e Mãe dos homens” (LG 54). Este capítulo apresenta a ligação entre Maria e o mistério trinitário, em sua dimensão cristológica, pneumatológica e eclesiológica. Seu primeiro parágrafo já apresenta uma síntese doutrinal com tudo o que será mostrado no decorrer do capítulo VIII.

Os teólogos do Vaticano II, seguindo o impulso patrístico, consideraram a mariologia como eclesiologia. A Igreja é Virgem e Mãe (LG 63-64), é concebida sem pecado e carrega o peso da história, sofre como Mãe das Dores, e, no entanto, já foi assunta ao céu. Conforme essa visão teológica, no desenvolvimento sucessivo da eclesiologia, a Igreja é antecipada e personificada em Maria. Ao mesmo tempo, a Maria não é considerada somente como Mãe do Redentor, mas como que trazendo em si todo o mistério da Igreja é chamada Mãe da Igreja.

Por todos esses aspectos o Concílio recomenda a todos os fiéis as várias formas de piedade para com a Mãe de Deus, aprovadas pela Igreja, pois elas “tem a virtude de fazer com que, honrando a mãe, melhor se conheça, ame e glorifique o Filho, por quem tudo existe e no qual “aprouve a Deus que residisse toda a plenitude”, e também melhor se cumpram os seus mandamentos” (LG 66-67). Aos teólogos e pregadores da palavra de Deus, o Concílio que os exorta a evitarem com cuidado, tanto um falso exagero como uma demasiada estreiteza na consideração da dignidade singular da Mãe de Deus. Evitem o que possa induzir em erro acerca da autêntica doutrina da Igreja os irmãos separados ou outros.

É como diz Bruno Forte: “A Igreja provém da Trindade, é estruturada à imagem da Trindade e ruma para o acabamento Trinitário da história.” Ou seja, “vinda do alto (oriens ex alto), plasmada pelo alto e rumo ao alto (“Regnum Dei praesens in mistério”, LG 3), a Igreja não se reduz às coordenadas da história, do visível e do disponível.” Finalizando, podemos dizer que a Igreja surgiu do mistério divino, caminha como mistério na Igreja Sacramento da comunhão dos homens com seu divino fundador para alcançar sua consumação escatológica.