terça-feira, 14 de junho de 2011

Pneumatologia - 3ª parte


O DIA DE PENTECOSTES COMO PONTO DE PARTIDA PARA A MISSÃO EVANGELIZADORA.
Murah Rannier Peixoto Vaz
Os doze primeiros capítulos do livro dos Atos dos Apóstolos possuem a maior ocorrência do termo grego “Pneuma” no Novo Testamento. São trinta e sete ocorrências, sendo que em todo o livro, o mesmo termo, aparece por 68 vezes. Isso pode ser explicado por um propósito de demonstrar a experiência avassaladora dos primeiros discípulos, sempre associada ao Espírito Santo que lhes dava o poder para anunciar o Evangelho de Jesus à todos os povos.
Há ainda no livro dos Atos dos Apóstolos alguns paralelos e mesmo oposições, como se percebe nas releituras de Lucas, como, por exemplo, no paralelismo do dia de Pentecostes com o dia do Batismo de Jesus. Com a descida do Espírito Santo mana a unção e preparação para a pregação profética dos apóstolos.
Possivelmente, o texto também apresenta uma releitura etiológica da festa das semanas e da Hagadá do Sinai, e como oposições são apresentadas as figuras de Babel e Pentecostes. Babel é símbolo da confusão, divisão e incompreensão, enquanto que Pentecostes é apresentada como sinal de encontro, de união e compreensão.
É perceptível a leitura dos cumprimentos das promessas do Antigo Testamento, dos profetas Isaías e Joel, de que todos ficariam “repletos do Espírito Santo”, e o seu cumprimento em Jesus Cristo. O inflamar do Espírito ocasiona um fenômeno duradouro que impulsiona à uma pregação profética.
Pode-se dizer que o que acontece em Pentecostes é singular, mas não exclusivo, pois volta a acontecer em uma infinidade de “novos Pentecostes”, provocados pela pregação profética e que expandem o mesmo fenômeno de Pentecostes e o doa à todos os ouvintes, como conseqüência da conversão e do Batismo.
PERGUNTA-SE: O QUE QUER APRESENTAR LUCAS?
1 - O evangelista não está preocupado em apresentar uma teologia do Batismo, mas no nexo existente entre o Espírito Santo e a pregação profética.
2 – Ainda sobre o interesse de demonstrar a forte ação do Espírito, Lucas apresenta vários sinais e imagens visíveis da sua atividade.
3 – Assim como Paulo, Lucas não reflete sobre as relações intratrinitárias, porém põe lado a lado: Deus, Cristo e o Espírito Santo.
4 – Quanto ao relacionamento entre o Batismo e o Espírito Santo, um pode preceder o outro e vice-versa, pode também acontecer ao mesmo tempo. Com essa afirmação Lucas quer mostrar que era ajudada pelo Espírito Santo que a Igreja crescia.
JOÃO E O ESPÍRITO DA VERDADE
Para o João, antes da Páscoa, Jesus é o portador do Espírito e por duas vezes o evangelista acentua que o “Espírito permanece sobre ele” desde o dia de seu Batismo.
IMAGENS E TEOLOGIA JOANINA
a) O testemunho do Espírito - dado por João Batista, apresenta Jesus como aquele que batiza com o “Espírito” ou como em 1Jo 5, 6-8, que apresenta Jesus como aquele que veio pela “água e pelo sangue”. Desde os primórdios os santos Padres da Igreja viram nessa imagem uma alusão ao Batismo e à Eucaristia.
b) Água viva do Espírito- Jesus como imagem de uma fonte de onde jorra “água viva” purificadora, antes dele não havia o Espírito, mas depois de sua glorificação, conforme prometido, ele é dado por Jesus.
c) Glorificação e envio do Espírito – É na cruz que Jesus batiza. No lugar em que ele é executado é que, ao mesmo tempo, ele batiza com o seu Espírito. A citação de Jo 19, 30 não se refere apenas à morte de Jesus, mas também na doação do Espírito aos seus. Essa imagem quando comparada aos demais evangelista vê-se nela certas discrepâncias e divergências em sua apresentação, pois a visão Joanina tem a morte, ressurreição e glorificação, bem como a comunicação do Espírito de Jesus, como algo intrínseco e inseparável.
Contudo, mesmo tendo recebido o Espírito, João mostra que permanece a tensão entre a promessa e o cumprimento, entre o “já” e o “ainda não”.
FUNÇÕES ATRIBUÍDAS AO ESPÍRITO SANTO:
1 – O outro Paráclito: Jesus é tido como o primeiro Paráclito, como ele mesmo diz no evangelho de João 14, 16, e como sucessor o Espírito terá a missão de representar e recordar as palavras de Jesus, dar testemunho dele e receber daquilo que o Filho recebeu do Pai. De tal forma, a sucessão do Espírito não é uma substituição, mas uma continuidade da ação salvífica de Jesus.
2 – O Espírito da Verdade: quem crê pode recebê-lo, vê-lo e conhecê-lo, e, da mesma foram, o Espírito da Verdade permanece entre eles e, mais ainda, permanece neles. O Espírito da Verdade não traz um ensinamento novo, mas presentifica, atualiza e aprofunda os ensinamentos de Jesus, pois não é um mero repetidor.
VIDA A PARTIR DO ESPÍRITO E NO ESPÍRITO
Espírito e vida são um entrelaçamento de “Palavra – Verdade – vida e Espírito” As palavras de Jesus são Espírito e vida porque nelas ele comunica o Espírito Criador de vida. A partir da fé, ser batizado é receber vida nova a partir do Espírito. Isso ocorre na liberdade da pessoa. Há aqui a unidade entre o interior e o exterior da pessoa, ou seja, ma vida espiritual e nas atitudes, no testemunho de vida. Isso se refere ao cotidiano e não a experiências espetaculares.
É por meio do Espírito que se pode confessar Jesus é o Senhor, o Cristo, e se amamos os irmãos é porque Deus nos amou por primeiro.
RELACIONAMENTO DO ESPÍRITO COM O PAI E O FILHO
O Espírito é dádiva tanto do Pai quanto do Filho. Há por parte do evangelista um realce quanto ao paralelo das missões do Filho e do Espírito.
De forma mais clara que em São Paulo, a partir do acontecimento salvífico o Espírito não só atinge e liga os crentes com Cristo e com o Pai, como também une o Pai e o Filho em sua comunhão de ação e vida.
Todavia, o paralelismo das missões torna o espírito algo mais perceptível em sua personalidade e em seu caráter de sujeito, de pessoa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Espírito Santo desde o princípio esteve presente e jamais se ausentou da criação (cf. Gn 1,2) ou da história da salvação. Deus no seu ato criador cria e comunica o seu hálito de vida, a ruah vivificante, fecunda, dinâmica e atuante de Yahweh.
Analisando tanto no Antigo quanto no Novo Testamento nota-se a atuação do Espírito Santo. No Novo Testamento, Jesus aparece como o portador do Espírito, sob o qual este permanece, contudo, o Filho de Deus envia o Espírito aos seus discípulos para que estes repletos do Espírito Santo levem a mensagem de sua Boa Nova e possam fazer tudo aquilo que ele mesmo fez e até coisas maiores conforme a fé que possuírem.
Como laço do amor Divino que une e liga o Pai e o Filho, o Espírito Liga também a humanidade a Deus e entre si, e é por sua existência vigente em nosso meio que Jesus é presentificado, atualizado e recordado. É por meio do Espírito Santo, com sua ação de testemunha, que podemos confessar Jesus é o Cristo e “Abba” Pai, é ele que lado a lado, com o Pai e o Filho, desde sempre convidam a humanidade a fazer parte do banquete da comunhão trinitária.
BIBLIOGRAFIA:
SCHNEIDER, Teodor. Manual de Dogmática. Vol. I. Petrópolis: Vozes. 2000, p. 409-442.

Pneumatologia - 2ª Parte


EXPERIÊNCIA E TEOLOGIA DO ESPÍRITO NO NOVO TESTAMENTO
Murah Rannier Peixoto Vaz
Os discípulos de Jesus são animados pela experiência de que as duas grandes esperanças que articulam nas Escrituras desde o exílio, e foram mantidas vivas em diversas correntes do antigo judaísmo se cumprem em Jesus que é o messias ungido pelo Espírito, e nós somos o povo presenteado pelo Espírito Santo. É o que compreendemos ao meditar a Epístola de São Paulo aos Gálatas capítulo 4, onde está clara a missão do Filho, e a missão do Espírito que clama: Abba Pai!
Ao refletir-se sobre as primeiras experiências do Espírito, parte-se da relação entre Jesus e o Espírito. Provavelmente, a princípio Jesus fazia parte do movimento de João Batista, o qual batizava com água e anunciava o futuro batismo “com o Espírito Santo e com o fogo” (Mt 3,11; Lc 3,16). Contudo, é provável que Jesus adquiriu sua espiritualidade de forma crescente em relação a tradição profética e o conteúdo de Isaías 61,1 “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu”. Por isso também que o Senhor Jesus condena ao fogo eterno o pecado contra o Espírito Santo, que consiste na rejeição da missão de Jesus, e na negação de sua autoridade espiritual, é um verdadeiro fechamento em si mesmo.
Os seguidores de Jesus, depois da ressurreição do Divino Mestre passaram a olhar a vida do mestre a luz do evento da ressurreição e iluminados por este evento, percebem a presença do Espírito de Deus em toda sua missão e ação; nos relatos evangélicos Jesus não fala do Espírito Santo contudo ele é o homem do Espírito de Deus, mas a comunidade não só entende que Jesus é repleto do Espírito Santo, mas que a própria comunidade vive a luz desta presença e guiados por ela agem no mundo com luz das nações.
Alguns eventos ressaltam a ação do Espírito na igreja nascente, a presença do Espírito na comunidade como outrora no templo; o dom é dado às mulheres também; sabedoria, conhecimento, força de fé; interpretação da Bíblia à luz de Cristo e do Espírito; fortalecimento para o testemunho de fé, especialmente no caso de perseguição; o Espírito como testemunha, advogado, intercessor; oração extática e discurso profético; arrebatamento e condução pelo Espírito; cura de doentes, assim é válido lembrar que a comunidade atualiza a presença do Espírito na comunidade e faz memória da ação do Espírito na história do povo de Deus.
Paulo em seus escritos salienta a vida espiritual de Cristo e dos cristãos; Cristo é o ungido o Messias que veio para salvar o povo, estabelecer uma nova criação feita a partir do Espírito Santo, que provém do Pai, por fim se entende que Jesus é o próprio Espírito, aliás, que o Espírito é o Espírito de Cristo. Em seus escritos Paulo salienta que os cristãos agem pelo Espírito, que capacita os batizados para a vida nova, gera a comunhão entre os fiéis e revela a Santíssima Trindade.
Ele também salienta que a fé é dom do Espírito que somente por Ele se pode proclamar a fé, é através da fé que podemos interpretar a palavra à luz do Espírito que dá a vida e não pela letra que mata. Para Paulo, o cristão é movido pelo Espírito que lhe é dado como dom aos que crêem, mas ambos são dom de Deus, o Espírito só pode ser dado ou recebido, ele é o princípio da vida dos fiéis e por fim faz uma separação entre vida espiritual (que dá a vida) e vida carnal (que leva à morte). A comunidade é plena dos dons e da presença do Espírito Santo que dá também o discernimento dos espíritos.
Não se pode conceitualizar o Espírito Santo, Ele apenas pode ser descrito pela sua ação e a partir dele os fiéis experimentam a solicitude de Deus em Jesus Cristo.
Os sinóticos também apresentam Jesus como o portador do Espírito Santo, que é o que dá autoridade a pessoa de Cristo diante do Pai e de sua comunhão com Ele. Também é o Espírito Santo que envia os missionários para anunciar e em Lucas ele é o portador e doador do Espírito Santo que é dádiva de Deus, contudo, de certa forma, todos eles lembram que o Espírito Santo já é dado, mas não em plenitude.

Pneumatologia - 1ª Parte

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA PNEUMATOLOGIA CRISTÃ NO ANTIGO TESTAMENTO
Murah Rannier Peixoto Vaz
A experiência de Israel com o Espírito de Deus já se reflete na pronúncia do vocábulo ruah, que acontece como um movimento de ar e respiração surpreendentemente forte, ar que como sabemos é necessário para a vida, ar que às vezes experimentamos por uma respiração tranqüila, mas também, às vezes como um vento devastador, isso porque para o homem do Antigo Testamento tudo provém de Deus, tudo é designado como ruah. Até as forças demoníacas são subordinadas a Deus, de modo que às vezes ele próprio aparece como seu causador como se constata em 1Sm 16,14-23. O termo ruah é quase sempre feminino, isso porque o Deus como ruah revela-se de modo particular nos papéis maternos da criação, manutenção e proteção da vida, fazendo-a surgir como fazem as mães. Com isso, no contexto teológico, ruah se refere à força vital dinâmica criadora, estando intrinsecamente unidos Espírito e vida.
A primeira atuação do Espírito ao povo de Israel foi a experiência da salvação, onde o próprio Deus tira Israel da casa da escravidão que é o Egito, e o conduz para a terra prometida. E isso o faz “Com mão forte e com braço estendido, sob grande espanto, sob sinais e prodígios” (Dt 26,8). Israel experimenta diretamente a atuação do Espírito, como vemos no tempo dos juízes o Espírito de Deus “impele” a Sansão (Jz 13,25), “sobrevêm” a Otoniel (Jz 3,10) e a Jefté (11,29), “reveste” a Gedeão (6,34), e em muitos outros casos como na saga de Sansão, o Espírito demonstra seu poder salvador.
No Antigo Testamento também vemos a experiência do Espírito como êxtase profético que acontece nas confrarias dos filhos de profetas. Como aconteceu a Saul e está relatado em 1Sm 10,5-13, contudo, o êxtase não representa um aspecto específico e necessário para a experiência mesmo vetero-testamentária do Espírito.
Em todos os momentos importantes de Israel se constata pela palavra a ação do Espírito, por exemplo, na instituição da monarquia vemos em 1 Sm 10,10 que: “O Espírito de Deus (ruah Elohim) veio sobre Saul, e Saul entrou em êxtase profético no meio deles”. E o mesmo Espírito depois se retira de Saul por causa de seu pecado e passa para Davi, é onde começa um ciclo em que Deus sempre luta para restabelecer a aliança com o povo.
Já na vida dos profetas a ação do Espírito é tamanha que às vezes o próprio ruah é quem fala em nome de Deus. Em Ezequiel 11,5 lemos: “Então o Espírito de Javé veio sobre mim e me disse: Fala: Assim diz o Senhor...” Contudo, em alguns momentos vê-se a falta de invocação ao Espírito, provavelmente por causa dos constantes confrontamentos com falsos profetas aos quais lhes sobrevinham um espírito de mentira. Mas, voltando à experiência de Ezequiel, vemos um aprofundamento teológico na concepção de ruah “vento”, pois, o profeta se sente levantado e levado (Ez 3,14) ou arrebatado (8,3) pela ruah de Deus (11,24) esses arrebatamentos introduzem muitas vezes a uma visão reveladora. De forma geral nos profetas, o Espírito leva sempre à comunhão com a vontade de Deus formando um a unidade.
No Exílio se tem um momento crucial do relacionamento do Espírito com o profeta, sua ação adquire formas mais nítidas como “ruah Yahweh” desdobrando-se em criação e nova criação. Na primeira já vemos no livro de Êxodo onde a ruah de Javé teve papel decisivo na travessia pelo mar, fazendo o mar retirar-se (14,21) ou fazendo as massas de água se amontoarem (15,8). Além de Salmos pós-exílicos como o 104 que celebra o poder criador da própria ruah, e mais, já no relato da criação do escrito sacerdotal vê-se radicada as mesmas tradições, de que a ação do Espírito é uníssona à obra da criação de Deus.
O sentido da nova criação é uma nova vida, um novo espírito como é apresentado por Ezequiel no capítulo 37, pois, o Espírito de Deus atua na linha divisória entre a morte e a vida, e o Espírito de Deus recria como que tirando do túmulo dando-lhe vida nova marcada pela comunhão.
A ação do Espírito é sempre voltada para o bem coletivo mesmo quando o Espírito é concedido a indivíduos eleitos como os reis messiânicos, além dos profetas como já vimos. Assim, o Espírito nunca é concedido como posse pessoal, mas para a edificação de um reino de justiça e de paz. No AT a ruah de Javé é a força criadora de Deus que presenteia e mantém a vida, que atua no cosmo, intervém de maneira salvadora na história e promete vida nova e definitiva para o indivíduo na comunidade.