terça-feira, 26 de junho de 2012

O filme Bella, o aborto e a cultura da morte

Ivanaldo Santos, doutor em filosofia, fala sobre o filme Bella - Por Tarcisio Siqueira e edição de Thácio Siqueira.

BRASILIA, segunda-feira, 25 de junho de 2012 (ZENIT.org) – ZENIT entrevistou o Dr. Ivanaldo Santos sobre o filme Bella, um filme que promove a vida e que venceu o Festival de Toronto, no Canadá.

O Dr. Ivanaldo Santos é filósofo, pesquisador e professor universitário. Publicou mais de 70 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais e tem 8 livros publicados.
Publicamos a entrevista na íntegra:

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ZENIT: Qual é a grande mensagem do filme Bella, vencedor do Festival de Filme de Toronto, no Canadá, em 2006?
IVANALDO SANTOS: Numa primeira leitura trata-se de um filme que fala do fracasso. O filme apresenta o encontro de um jovem casal: José e Nina. José é representado pelo ator Eduardo Verástegui e trata-se de um astro internacional de futebol que, por lesões físicas, fica sem poder jogar e perde a fama e o dinheiro. Ele termina sendo o cozinheiro no restaurante de comida mexicana do seu irmão. Por sua vez, Nina, representada pela atriz Tammy Blanchard, é uma jovem pobre que trabalha de garçonete no restaurante em que José é o cozinheiro. Ela descobre que está grávida e que o pai da criança não deseja assumir a ambos, Nina e seu filho. Numa leitura que podemos dizer “contemporânea” poderia se dizer que Nina tem uma “gravidez indesejada”. Aparentemente são duas histórias de fracasso que se encontram. No entanto, numa segunda leitura, uma leitura analítica e crítica, é possível afirmar que o filme trata do valor e da importância da vida e da família. José poderia ter se entregado às drogas e ao álcool, Nina poderia ter feito um aborto, coisa que, no filme, é aconselhado. Vale salientar que drogas e aborto são apresentados, em vários ambientes sociais, como sendo elementos de libertação do ser humano. O casal José e Nina descobrem que acima das drogas, do aborto e de qualquer outra “facilidade” da sociedade atual estão a vida e a família. Trata-se de uma descoberta surpreendente que emociona o telespectador. Com isso, a grande mensagem do filme é que vale a pena investir na vida e na família. Mesmo que os valores sociais digam que a família está morta, que não tem mais valor, ela é o núcleo onde o indivíduo sempre encontrou o refúgio e a felicidade.

ZENIT: é possível fazer uma relação entre o filme Bella e a cultura da morte?
IVANALDO SANTOS: Sim é possível. O filme apresenta os valores da cultura da morte (aborto, negação da família, individualismo e outros) de forma bem natural, da mesma forma que um cidadão comum vê em seu cotidiano. O filme não faz apologia da cultura da morte. Pelo contrário é uma das maiores críticas que essa cultura sofreu nos últimos anos, mas apresenta como os cidadãos, no dia-a-dia, tem acesso aos contra valores da cultura da morte. Por exemplo, o filme apresenta o individualismo, a busca cega por dinheiro, e como as pessoas e especialmente as mulheres são induzidas e enganadas para realizarem o aborto. Na sociedade contemporânea poucos são os espaços onde se falam do valor da vida, da família, de ter filhos. Geralmente as pessoas são educadas para viverem uma vida selvagem, para ganharem muito dinheiro, qualquer gravidez é logo rotulada de “indesejada” e, por conseguinte, recomenda-se, como se fosse natural, a prática do aborto. Tudo isso o telespectador poderá ver no filme Bella. Nesse sentido o filme é realista. É uma espécie de “raio X” da sociedade contemporânea.

ZENIT: O filme Bella tem recebido grandes elogios por parte da crítica especializada. Apesar disso nota-se certo boicote por parte da grande mídia. Por que isso acontece?
IVANALDO SANTOS: É possível apontar quatro motivos para esse boicote. O primeiro é o fato do filme não ser de guerra e/ou de sexo. A grande mídia (TV e cinema) trabalha essencialmente com elementos que dão lucro fácil e audiência quase que automática. Um filme como Bella, que fala do valor da vida e da família, que não tem nudez, que não tem longas séries de tiroteios e mortes sangrentas, não atrai a atenção da grande mídia.
O segundo motivo é que o filme não faz apologia do aborto e de outros contra valores que atualmente são apresentados como libertários e terapêuticos. É preciso ver que a grande mídia, em certo sentido, está dominada e é controlada, se não em sua totalidade, pelo menos em sua maioria, pela cultura da morte. A luta pelo lucro e pela audiência torna a grande mídia susceptível ao dinheiro rápido e fácil que vem da “indústria da morte”, ou seja, a “indústria” que oferece a morte como produto a ser consumido. Entre esses produtos estão a violência, o abandono da família, o aborto, a eutanásia, as drogas e o infanticídio.

O terceiro é a teoria neomalthusiana. No século XIX o malthusianismo pregava que o crescimento populacional se daria em progressão geométrica, enquanto os recursos humanos cresceriam em progressão aritmética. Deste modo, em poucas décadas, haveria uma completa escassez de recursos no planeta. A solução apontada foi a do controle da natalidade. No início do século XXI essa mesma teoria malthusiana volta a estar de moda. É o neomalthusianismo. Desta vez ela vem disfarçada com uma nova roupa, a do “ecologismo”, e com traços apocalípticos – como se o homem fosse o único mal da terra e esta estivesse a ponto de ser destruída. Como esclarece o Padre Helio Luciano, em recente entrevista concedida a agência de informação Zenit, chegamos à geração “Avatar” –que exalta a ecologia ao mesmo tempo em que mata seus próprios filhos. O problema é que neomalthusianismo faz muito sucesso na grande mídia. Criou-se uma espécie de lugar comum que diz que repórter “moderno” e “esclarecido” prega abertamente o discurso apocalítico do neomalthusianismo. Um discurso de controle da natalidade. Só para se ter uma ideia do problema, recentemente uma grande rede de TV no Brasil fez uma série de matérias alarmistas dizendo que o planeta Terra está lotada que não cabe mais ninguém. Essa série de matérias chegou ao ponto de elogiar o rígido controle da natalidade realizado na China. Um controle que pune os indivíduos com pesadas multas, com a prisão, tortura e até mesmo a morte. Num contexto como esse, um filme como Bella não atrai a atenção da grande mídia.

O quarto e último motivo é a falta de mobilização, de cobrança por parte dos movimentos pró-vidas e pró-família. É comum os movimentos pró-vidas e pró-família criticarem a programação alienante e favorável a cultura da morte que é exibida na TV e nos cinemas. Essa é uma cobrança importante que precisa ser aprofundada. No entanto, não se pode apenas ficar criticando a grande mídia. É preciso trabalhar junto com ela. É preciso conquistar a confiança da grande mídia. Uma das formas é lutar, até mesmo com aporte financeiro, para que canais de TVs passem a exibir, em sua programação normal, filmes e programas com conteúdo pró-vida e pró-família. O filme Bella é um ótimo produto midiático para ser oferecido às redes de TVs. É preciso ter coragem, ser audacioso. É preciso aproveitar o grande sucesso do filme Bella para negociar com as redes de cinema e TV uma programação mais voltada para a vida e a família.

ZENIT: Qual a relação entre o filme Bella e a cultura da vida, de valorização da família?
IVANALDO SANTOS: Pode-se dizer que há uma relação de 100% de proximidade. O filme não segue o esquema proposto pela cultura da morte, ou seja, moça pobre, trabalha de garçonete em um restaurante, descobre que está grávida e, por causa desses fatores, faz um aborto. É preciso recordar que atualmente, devido à grande influência do neomalthusianismo, tenta-se criar um lugar comum que diz que toda moça pobre tem que abortar. É como se os pobres não tivessem responsabilidade e condições morais de ter e criarem seus próprios filhos. Esse tipo de discurso é altamente discriminador e concede grandes benefícios aos ricos e à classe média. Em um mundo onde se fala tanto em inclusão social o filme Bella é um exemplo de inclusão, pois promove a inclusão do feto, do nascituro, justamente o grande excluído da propaganda midiática, das políticas do governo e da agenda das Organizações Não Governamentais (ONGs). Além disso, o filme inclui a família, berço de toda a dignidade humana. Logo a família tão desprestigiada em nossos dias. Trata-se de um filme que não pode ser colocado na categoria de “conto de fadas”, mas é um filme que valoriza a família, a vida e a natalidade. São valores eternos e que precisam estar no centro dos debates da mídia, do governo e da Igreja.

ZENIT: O que dizer para alguém que não assistiu ao filme Bella?
IVANALDO SANTOS: Inicialmente é preciso ter convicção que dificilmente o filme vai passar na TV em horário nobre. A não ser que algum milionário, algum mecenas, pague a exibição. Partindo desse pressuposto, afirma-se que o filme Bella precisa ser visto por todas as pessoas. Sejam elas jovens, velhos, solteiros, casados, pessoas que abortaram ou que pensam em abortar. É um filme muito realista. As cenas e diálogos do filme podem ser encontradas, de forma real, na maioria de nossas cidades. Por isso, é preciso que todo mundo se esforce para ver e divulgar o filme. As pessoas devem adquirir o DVD com o filme e assisti-lo em casa ou no trabalho com os parentes e amigos. A Igreja deve fazer todo o esforço possível para difundir o filme Bella. Vamos exibir o filme nas paróquias, capelas, nas escolas e demais lugares que estejam sob administração da Igreja. O filme Bella trata-se de um dos melhores presentes que o cinema deu à cultura da vida e à valorização da dignidade da pessoa humana. Temos que lutar para que ele seja assistido pelo maior número de pessoas possíveis.

Para contatos email: ivaanldosantos@yahoo.com.br

sábado, 23 de junho de 2012

Aprovar o aborto seria um retrocesso jurídico na nossa sociedade (Parte II)

Entrevista com especialista em bioética, Pe. Helio Luciano

Por Thácio Siqueira

BRASILIA, sexta-feira, 22 de junho de 2012 (ZENIT.org) – Ontem publicamos a primeira parte da entrevista que o Pe. Helio concedeu a ZENIT com o fim de ajudar os católicos do Brasil a refletirem sobre o tema do Aborto, que está em pauta para aprovação no nosso país.

O Pe. Helio Luciano é mestre em bioética pela Universidade de Navarra, mestre em Teologia Moral pela Pontificia Universidade Santa Cruz em Roma e membro da comissão de bioética da CNBB.

 
Publicamos hoje a segunda e última parte da entrevista.
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ZENIT: O embrião é uma pessoa humana? O que é que comprova isso? E por que ele teria todos os direitos fundamentais de um ser humano, incluindo o direito à vida?

 
PE. HELIO: A resposta que dou a esta pergunta, que frequentemente se repete, é sempre a mesma: não importa se o embrião é pessoa humana ou não. À primeira vista tal resposta pode parecer polêmica ou até agressiva – mas asseguro que esta não é a minha intenção. A questão é que “ser pessoa” ou “não ser pessoa” é um problema filosófico e jamais poderá ser provado em âmbito científico-positivo. Mas a discussão em relação ao aborto não é uma questão de filosofia, mas de biologia básica.

O que temos, desde a fecundação, independente se é pessoa ou não, é um novo ser humano. Como já dizíamos – temos um novo indivíduo da espécie homo sapiens sapiens, com um DNA único e irrepetível em toda a história da humanidade. Sendo um ser vivo da espécie humana, tem todo o direito de ser respeitado como qualquer outro ser humano. Nas aproximadamente quarenta semanas em que este novo ser humano costuma permanecer dentro do ventre materno, não existe nenhum salto quantitativo ou qualitativo que possa dizer que tenha sofrido uma mudança substancial. Todas as capacidades humanas adquiridas por aquele novo ser, têm como base aquele momento inicial – ou seja, aquela única célula fecundada, que já era um ser humano.
A maioria dos defensores do aborto, hoje, costuma admitir as evidências científicas que comprovam que a partir da fecundação temos um novo ser humano. O que objetam é que este ser humano ainda não seria uma “pessoa humana”. A partir desse pressuposto, as divergências entre os abortistas são grandes. Alguns dirão que este ser humano se tornará “pessoa humana” a partir da formação da placenta, outros dirão que a partir da formação do coração, outros defendem que a personalidade se forma com o sistema nervoso central e por fim, existem os que defendem que se torna “pessoa humana” somente após o nascimento. Estes últimos chegam a defender o que se chama partial-birth abortion, ou seja, “aborto do parcialmente nascido”. Em tal procedimento, assim que se dá o coroamento (coroamento é a aparição da cabeça do feto durante o trabalho de parto), faz-se a sucção do cérebro da criança – certamente aqui se trata de um claro infanticídio.

 
Todas as tentativas de colocar esse início da “personalidade” em algum momento concreto do desenvolvimento embrionário ou fetal serão sempre arbitrárias. Se colocarmos o início da “personalidade” em alguma função ou órgão, porque não poderíamos dizer que está no começo do exercício da consciência? Alguns autores já afirmam isso e, consequentemente, defendem que o infanticídio – matar crianças que não tenham o exercício de atividade consciente – é moralmente e eticamente válido, pois não seriam “pessoas humanas”.

 
Por essas discussões é que afirmo que não importa a partir de quando aquele ser humano se tornará pessoa. O importante é que se trata de um ser humano, e que merece todo o respeito e proteção que devemos a qualquer outro ser humano, independente das funções que possa exercer.

 
ZENIT: Quais são as tragédias que o aborto traz para uma nação que o aprova na sua legislação?
PE. HELIO: A tragédia mais profunda é a instituição de uma “cultura de morte”, que não respeita o sofrimento das mães – muitas são quase induzidas socialmente ou economicamente a realizar o aborto – e nem o direito básico dos próprios cidadãos mais indefesos, aqueles que ainda estão por nascer. É irônico que tais sociedades possuem legislações bastante rigorosas para a defesa de embriões animais, enquanto os seres humanos estão totalmente indefesos. Hoje é mais seguro nascer feto de baleia do que feto humano.

Derivada desta “cultura de morte” nasce uma atitude de egoísmo generalizado – o importante não é mais o “bem comum” da sociedade, mas o individualismo, o bem de cada um. Deixamos de viver em sociedade como modo de nos aperfeiçoarmos como seres humanos sociais que somos, para converter-nos, como dizia Hobbes, em lobos para os outros lobos.

O processo de degradação da sociedade – em todos os pontos de vista – também é uma consequência da chamada “cultura de morte”. Se o Direito, base da civilização ocidental, perde sua raiz profunda que o justifica – ou seja, a natureza humana e a defesa do mais débil – a civilização toda se ressente. A crise – social, econômica, moral – da sociedade atual não é mera coincidência. Será mera coincidência que os países com menor taxa de nascimento e maior índice de aborto – Grécia, Portugal, Espanha e Itália – são aqueles com maior crise econômica?

Historicamente, toda a civilização que desrespeitou os valores básicos do ser humano, entrou em decadência e desapareceu. O exemplo mais claro foi a degradação do Império Romano – quando deixou de velar pelos valores básicos, tornando-se meramente “populista”, ampliou seu domínio físico, mas perdeu sua força moral. Não foi a invasão dos chamados “povos bárbaros” o que acabou com Roma – este foi só o golpe final que fez cair o que por dentro já estava moralmente destruído.

ZENIT: O senhor já se encontrou com católicos que aprovam o aborto? Eles podem ser considerados pessoas que estão fora da doutrina e da moral católicas?

PE. HELIO: A Igreja é uma realidade divina, mas que também possui leis e autoridades que devem ser respeitadas. Assim como eu não posso, simplesmente, declarar-me membro da Academia Brasileira de Letras – porque é necessário uma série de requisitos para pertencer a esta Academia – ninguém pode por si mesmo, sem cumprir certos requisitos, ser declarado um membro da Igreja. Deste modo, católicos de fato que defendam o aborto não existem e não podem existir. Se alguém defende o aborto, jamais poderá ser considerado um membro da Igreja, ou seja, não pode participar do Corpo de Cristo.

Por outro lado é um fato que existem grupos de pessoas que se dizem católicas – mas não o são de fato – e que ao mesmo tempo defendem o aborto. Quem sabe o grupo mais expressivo seja aquele que se autodenomina “Católicas pelo direito de decidir”. Certamente os membros deste grupo não são de fato católicos, pois defendem algo absolutamente contrário à própria humanidade – o direito de matar um inocente. É verdade, como já dissemos antes, que a liberdade é um bem, mas não é um bem absoluto. Este bem – o da liberdade – está por debaixo do direito mais elementar de todos, o direito à vida, o bem maior defendido pelo Direito.

Neste sentido, por que não criamos grupos como “Católicos pelo direito de assassinar”, ou “Católicos pelo direito de roubar”. Certamente é uma ironia, mas, às vezes, esta se faz necessária para entender o quão absurdo são os argumentos. Assassinar ou roubar também são atos de liberdade, mas nem por isso alguém pode defender esta liberdade como um valor – pois lesaria valores mais altos, o da vida e o direito à propriedade privada. Do mesmo modo quem defende uma liberdade para matar uma criança dentro do ventre materno, lesa o direito à vida desta criança e, deste modo, não tem o direito de reclamar tal liberdade.

ZENIT: Por que o aborto traz uma das penas canônicas mais sérias do direito canônico, segundo o cânon 1398?

PE. HELIO: Dizíamos, em outro ponto da entrevista, que o Direito tem um fundamento natural, ou seja, expressa o verdadeiro modo de ser da humanidade. O Direito da Igreja, chamado “Direito Canônico”, também tem a mesma raiz natural, além, também, de regular matérias que conhecemos por Revelação.

Desde um ponto de vista natural, como víamos antes, trata-se de um crime hediondo: não apenas se está matando a um ser humano inocente e indefeso, mas se está matando o próprio filho na fase da vida que ele mais necessitava da proteção dos pais. Desde um ponto de vista sobrenatural, baseado na Revelação divina, é algo ainda mais grave – o assassinato de um filho de Deus que tinha sido confiado a estes pais.

As penas no Direito – seja civil ou canônico – sempre devem ter um caráter de proteger um bem, ou seja, de evitar um crime, além do caráter medicinal. Falando em relação ao Direito civil, alguns acusam os católicos de serem desumanos quando pedem a punição da mulher que realiza o aborto. A punição existe para prevenir o crime, ou seja, em defesa da vida do indefeso. Despenalizando o aborto perdemos esta proteção importante para a vida do mais débil. Além disso, na maioria das vezes, a mulher que realiza o aborto é a menos culpada deste ato – normalmente ela está em meio a um conjunto de pressões sociais, sentimentais e econômicas. Os principais culpados – e consequentemente os que deveriam ser mais duramente punidos – são aqueles que induzem e realizam o ato ilegal e imoral do aborto.

Em relação ao Direito Canônico, para que se entenda a gravidade da ofensa ao próximo – sendo este “próximo” o próprio filho – e, consequentemente, a gravidade da ofensa a Deus, é reservada a este pecado a pena da excomunhão latae sententiae. Certamente a palavra excomunhão soa forte aos ouvidos da opinião pública e de fato é a pena mais severa da Igreja – desligar um membro da comunhão com a Igreja. Com latae sententiae se indica que a excomunhão é automática, ou seja, quem comete ou induz alguém a cometer um aborto ou participa da execução do mesmo, automaticamente está excluído da comunhão com a Igreja e, consequentemente, com o Corpo de Cristo.

Ainda sendo a pena mais grave da Igreja, a pena de excomunhão não condiz com o aquilo que o imaginário popular interpreta por excomunhão. Trata-se, como foi dito, de uma pena preventiva, educativa e medicinal. Em primeiro lugar, sendo uma pena tão grave, só recai nela quem cometeu com certeza um aborto – se alguém realiza uma tentativa de aborto sem “êxito”, comete um pecado grave, mas não é excomungado. Também só é excomungado quem sabia, ainda que imperfeitamente, da existência de uma pena especial. Além disso, as pessoas que cometeram, induziram ou participaram de um aborto – e consequentemente estão excomungadas – podem pedir e receber o perdão pelo pecado cometido e o levantamento da pena de excomunhão. Cada diocese possui alguns sacerdotes – em algumas dioceses todos os sacerdotes – habilitados para levantar esta pena, dando logicamente alguma penitência especial, para que se entenda a gravidade do pecado cometido. Normalmente a maior penitência para uma mãe que cometeu aborto é o sofrimento que carrega – por toda a vida – por sentir a culpa de ter matado seu próprio filho.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Aprovar o aborto seria um retrocesso para o Brasil (Parte I)

Entrevista com especialista em bioética, Pe. Helio Luciano

Por Thácio Siqueira

BRASILIA, quinta-feira, 21 de junho de 2012 (ZENIT.org) - De forma muitas vezes velada o Aborto tem sido introduzido em diversos países com raízes cristãs. Introduzido como prática legal e até mesmo financiado pelos governos e por grandes fundações internacionais.


No dia 18 de abril desse ano o Pe. Helio nos concedeu uma entrevista sobre as causas da aprovação do aborto de anencéfalos pelo STF no Brasil. Para ler essa entrevista clique aqui.



Dessa vez, para continuar ajudando os católicos do Brasil a refletirem sobre o tema, o Pe. Helio Luciano, mestre em bioética pela Universidade de Navarra, mestre em Teologia Moral pela Pontificia Universidade Santa Cruz em Roma e membro da comissão de bioética da CNBB, concedeu a ZENIT mais uma entrevista para esclarecer alguns pontos em relação ao aborto e ao perigo da aprovação do aborto numa nação.


Hoje publicamos a primeira parte dessa entrevista.

 

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ZENIT: Por que o aborto não deve ser legalizado no Brasil e em nenhum país? Os defensores da causa abortista alegam que a aprovação do aborto numa nação é sinal de progresso e desenvolvimento. Realmente é assim? A visão da Igreja católica não é uma visão redutiva da realidade?


PE. HELIO: O Direito nasceu – historicamente – para defender o mais fraco. Por exemplo; se um indivíduo tivesse várias posses materiais poderia vir a pressionar – através da ameaça ou outros meios coercitivos – um pobre a vender a sua terra. O Direito, na raiz da civilização, surge para defender a esse pobre que não poderia defender-se por si mesmo. Além disso, o Direito possui uma raiz natural, ou seja, deve respeitar a natureza e a verdade das realidades que regula – no exemplo citado anteriormente, podemos ver que a base natural é o direito que todos possuem à propriedade privada e o direito básico de uma pessoa ter o mínimo para sua sobrevivência.

 

Aprovar o aborto, ou despenalizá-lo, seria um retrocesso jurídico da nossa sociedade e, consequentemente, um retrocesso da nossa civilização – negaríamos a mesma raiz do Direito, ou seja, a sua base natural e a defesa do mais fraco.



Cientificamente, hordiernamente, ninguém pode duvidar que um embrião humano seja um ser humano – com um DNA humano único e irrepetível. É uma clara evidência científica – se pegamos uma célula deste embrião podemos afirmar claramente que é um indivíduo da espécie Homo sapiens sapiens.


O que se coloca em jogo, então, não é a possibilidade de eliminar algo que não seria uma vida humana, mas sim o conflito entre duas liberdades – a do embrião e àquela da mãe. É verdade que pode haver este conflito – e que, muitas vezes, existe de fato – mas, como víamos antes, a quem o Direito está chamado a defender? A vida de um ser inocente e indefeso ou a liberdade de uma mulher que não quer conceber este indivíduo (gerado por ela)? Quem é o mais débil, o mais fraco? Qual o bem maior – a vida de um ser, base de todos os demais direitos ou a liberdade de outro? Certamente o Direito – tal como foi concebido, com base em uma raiz natural – deveria defender aqui o direito básico à vida.

 

Que as nações chamadas de “Primeiro Mundo” tenham cometido este retrocesso civilizatório e jurídico não converte o aborto em sinal de progresso. É mais, seria um claro sinal de retrocesso. Há países na Europa cujo número de crianças abortadas supera o número de crianças nascidas. Falando só desde o ponto de vista econômico, não é esta uma das causas da crise europeia? Falta população que gere consumo interno, gerando produção e gerando emprego.

 

A “cultura de morte” jamais gerou progresso. Gera egoísmo, falta de doação, falta de caridade. Que sociedade é essa “civilizada” que considera os filhos não como um bem, mas como um mero problema a ser eliminado? Que sociedade civilizada é essa que mata aos seus próprios filhos, cidadãos e membros desta mesma sociedade?


Para evitar este retrocesso em todos os sentidos – humanista, moral, ético, jurídico, social – é que o aborto não deveria ser aprovado no Brasil e em nenhum lugar do mundo.

 

Por fim, a Igreja sempre foi e continua sendo mestra de humanidade. Certamente não está sendo redutiva neste ponto, mas está pedindo à humanidade que venha a ser humana de fato. Está pedindo que respeitemos o mais básico dos direitos – aquele da vida de um ser inocente. O reducionismo não é da Igreja, mas sim deste grupo de pessoas que se sentem iluminadas, que – com um alto grau de miopia – enxergam o retrocesso como progresso, enxergam o assassinato como liberdade.


ZENIT- A resposta da Igreja Católica a favor da vida do nascituro é uma resposta somente baseada na Sagrada Escritura, como pensam alguns?


PE. HELIO: Deus revelou muitas verdades aos homens, e muitas delas através da Sagrada Escritura. Dentre essas verdades reveladas, podemos dizer que existem dois tipos: as verdades totalmente sobrenaturais, que o homem jamais seria capaz de alcançar com suas próprias forças, como, por exemplo, a verdade de que Deus é Uno e Trino, ou a entrega de Cristo na Eucaristia. Esse tipo de verdade, logicamente, exige a fé. Por outro lado Deus também revelou algumas verdades de ordem natural, ou seja, verdades que o homem seria capaz de alcançar com suas próprias forças. Neste sentido, podemos dizer que somos ajudados a alcançar e entender essas verdades básicas. Porém, se alguém não tem fé ou não conhece a Sagrada Escritura, também é capaz de alcançar tais verdades.


Uma dessas verdades naturais – que qualquer pessoa com o uso de razão é capaz de alcançar – é a proibição de matar a um inocente. Culturas não católicas e não cristãs são capazes de entender essa obrigação humana. Países como o Japão, por exemplo – sem influxo cristão – possui legislação que defende a vida do inocente.


Portanto a questão da defesa da vida do embrião ou do feto não é um tema religioso. É uma questão de humanidade. Neste sentido, poderá de fato um dia haver leis contrárias à defesa da vida, mas jamais serão verdadeiras leis, porque serão contrárias ao próprio modo de ser do homem.

 

ZENIT- Outro dos argumentos usados em favor do aborto é o crescimento demográfico, que, segundo alguns, é algo que ameaça a vida do planeta. É válido esse argumento?


PE. HELIO: As teorias malthusianas parecem ter entrado de tal modo na cultura mundial, que se dá por suposto algo que, comprovadamente, é falso. Nestas teorias – que tiveram tanto êxito nos séculos XIX e XX – se dizia que o crescimento populacional se daria em progressão geométrica, enquanto os recursos humanos cresceriam em progressão aritmética. Deste modo, em poucas décadas, haveria uma completa escassez de recursos no planeta.


A mesma teoria malthusiana agora volta a estar de moda. Desta vez ela vem disfarçada com uma nova roupa, a do “ecologismo”, e com traços apocalípticos – como se o homem fosse o único mal da terra e esta estivesse a ponto de ser destruída. Chegamos à geração “Avatar” – que exalta a ecologia ao mesmo tempo em que mata seus próprios filhos. É verdade que não podemos desrespeitar o mundo que nos foi dado, é verdade também que temos um dever de justiça de deixar o mundo para as gerações futuras, mas é fundamental entender que o mundo está em função do homem – para ser utilizado racionalmente e com respeito.


A grande escassez de recursos anunciada por Malthus jamais se cumpriu. Os avanços na agricultura – desde a invenção do trator até as altas tecnologias utilizadas para as sementes – aumentaram a produção agrícola de modo vertiginoso e muito maior que qualquer previsão. As terras cultivadas hoje – segundo dados do Banco Mundial e da ONU – chegam somente a 24% do total de terras que ainda podem ser cultivadas no mundo. Além disso, as novas tecnologias constantemente permitem que terras consideradas inférteis sejam passíveis de cultivo – como, por exemplo, muitos hectares de terras antes consideradas desérticas em Israel. O fato de que ainda exista fome no mundo não se dá pelo excesso de população, mas sim pela ganância de poucos.


Com base em tudo que foi visto, é lógico que considerar o crescimento demográfico como uma ameaça à vida do planeta é uma teoria ultrapassada e absolutamente sem nenhuma evidência científica. O controle de natalidade – muitas vezes desrespeitando a própria liberdade da mulher através de esterilizações forçadas – antes de ser uma solução para o respeito ao meio ambiente, é uma das causas da crise. O aborto, como forma de controlar o crescimento demográfico, traz uma “cultura de morte” incompatível com o próprio modo de ser da humanidade. Como podemos querer respeitar o planeta se não somos capazes nem mesmo de respeitar aos nossos filhos?














domingo, 17 de junho de 2012

Cristo Eucarístico

Belo vídeo! A Eucaristia, corpo e sangue de Cristo, é, de fato, ponto de convergência e união para todos os Católicos. Na Eucaristia encontramos o próprio Cristo presente, real, substancial e tão perfeito como ele está no céu. A partir da Eucaristia somo impelidos ao mundo para encontrar o Cristo em cada irmão, especialmente naqueles mais sofredores.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Quando é namoro ou amizade? Preparando-se para viver o ''vestibular'' do amor

Reflitamos sobre o namoro, o primeiro passo para quem quer viver a vocação matrimonial:


"O homem não nasceu para viver isolado. Disso sabemos e inclusive estudamos na escola a importância dos nossos relacionamentos.


Poderíamos dizer que a amizade entre as pessoas fundamenta-se nos encontros de suas necessidades diversas e em suas descobertas conjuntas baseadas na lealdade e no comprometimento de ambas as partes.


Ainda quando estávamos dentro do convívio familiar, nossos abraços, beijos e outras manifestações de carinho tinham uma conotação fraterna. Num convívio social mais abrangente vivemos uma outra dimensão na qual continuamos a ser fraternos, mas com pessoas que não tínhamos convivido anteriormente.


Em nossas amizades não procuramos subjugar o outro ou tirar proveito de alguma situação. Entretanto, na experiência com o sexo oposto podemos defrontar com algumas surpresas, como por exemplo, acreditar que um novo sentimento, além da amizade, pode estar aflorando.


Manifestamos nossa lealdade por essa amizade através das mais variadas demonstrações de carinho: abraços, beijos, telefonemas... Contudo, já não estaremos mais beijando nossos irmãos, nem tampouco abraçando nossos pais. Mas, se um namoro começa a partir de uma amizade verdadeira, como podemos identificar se o nosso abraço está ganhando um sabor diferenciado? Poderia aquele(a) amigo(a) ser um(a) futuro(a) namorado(a)?


Se realmente estivermos intencionados em fazer tal descoberta, o primeiro passo, que acredito ser interessante avaliar, seria buscar identificar nesta pessoa qualidades, destreza, seu senso de responsabilidade diante dos fatos e compromissos, etc.


Considerando a possibilidade de viver a mudança de uma amizade para um namoro, este será o momento propício para investir ainda mais na amizade no sentido de buscar respostas para os quesitos que consideramos relevantes para a nossa felicidade.


Sem atropelos, e na maturidade que Deus deseja nos conceder, devemos nos colocar predispostos a viver esse tempo de conhecimento recíproco e de "pesquisa", sem antecipar o momento de Deus, preparando-nos para viver o "vestibular" do namoro. "


Dado Moura - contato@dadomoura.com
Extraído de: http://www.cancaonova.com/portal/canais/formacao/internas.php?e=3279&id=

quarta-feira, 6 de junho de 2012

HOMENAGEM AO PADRE LINO DAL'LA POZZA EM SEUS 80 ANOS





Homenagem feita ao Padre Lino Dal'la Pozza, ao término da missa em ação de graças por ocasião de seu aniversário de 80 anos e abertura de seu ano de Jubileu Sacerdotal:

Goiânia, 23 de Setembro de 2010

Caríssimo Revmo Padre Lino.
Quanta graça concedeu-nos o Pai ao permitir neste dia que o tivéssemos entre nós. Hoje é dia de congratularmo-nos contigo que porta em teus ombros uma aljava repleta de anos e, não obstante, traz estampado no rosto o sorriso de uma criança. Quem vê este “jovem” octogenário, com seus cabelos branquinhos, dificilmente pode imaginar o vigor, disposição e otimismo que dele brotam. Porém, um caminho não é feito sem cansaços e fadigas, dores e cicatrizes. Nelas encontramos e enxergamos as marcas de um verdadeiro cristão que tendo abraçado a cruz, caminho de doação-oblação, é fortalecido pelas palavras paradoxais de Cristo, que diz: “O meu fardo é leve e o meu jugo é suave”.
Próprio dos que fazem esse caminho é lançar sem cessar as sementes do Reino definitivo. Pe. Lino, se fizeres a experiência de observar o caminho trilhado verás a vida que brota e os frutos que despontam. Aqui reside a alegria daqueles plantam e que confiam na esperançosa certeza da colheita do Reino de Deus que já raiou em nosso meio.
Bem sabemos que no oitavo dia deu-se a graça da Nova Criação, Pe. Lino, que teu octogésimo aniversário seja momento de novos começos, de renovação, construção e desconstrução, de lançamento de alicerces ainda mais sólidos e resistentes para prosseguir adiante combatendo o bom combate.
Oitenta anos não são oitenta dias ou oitenta semanas, é toda uma vida coroada. Sendo que destes oitenta anos, trinta e nove são de uma vida entregue à missão, de uma experiência de deixar casa, pai, mãe, irmãos e campos. Enfim, de deixar a própria pátria, o torrão natal, para servir a Deus na pessoa do próximo em um país estrangeiro, nos rincões de Goiás.
Com toda certeza, Pe. Lino, no correr dos anos tua vida foi feita de encontros, de pessoas que entraram em tua história, assim como entraste em nossa história e dela fizeste parte, traçando conosco, e com outros, uma história participada, de convivência, partilha e comunhão. Pe. Lino, como encanta-nos tua presença em nosso meio, palavra viva de uma vida de conformação ao Cristo.
Como já lhe disse em certa ocasião: “Teu exemplo move-nos e nos faz ter mais fé. Tua santidade e pureza nos constrange, e faz-nos esforçarmos ainda mais para nos assemelharmos. Mas se voltamos nossos olhares para ti, para tomá-lo como exemplo, não é simplesmente por tua pessoa, mas porque sempre aponta-nos o Cristo, o qual configurou-se contigo.” Que o senhor continue a ser a estrela que mostra o caminho, a ponte que liga as margens e a seta que indica o Cristo, para todos os que ainda tiverem a bênção de passar pelos caminhos de tua vida.
Obrigado, Pe. Lino! Parabéns por mais este ano de vida, de crescimento e amadurecimento diante de Deus e dos homens. Que o Senhor da Messe continue a cumulá-lo de bênçãos em tua vida e ministério.
Esses são os votos de toda a sua família do seminário São João Maria Vianney.
Murah Rannier Peixoto Vaz
Seminarista da Diocese de Ipameri

domingo, 3 de junho de 2012

O Matrimônio na história da humanidade (Parte II)

Reflexões de Mons. Vitaliano Mattioli

CRATO, sexta-feira, 1 de junho de 2012 (ZENIT.org) - Na sociedade romana, Roma é a pátria do direito. A legislação romana sobre o casamento é muito importante porque passou depois para o direito canônico. A mesma palavra “matrimônio” foi formada pelo direito romano. Matrimônio deriva do latim matris munus (ou munium) para evidenciar o papel importante da mulher na família; cônjuge (coniugium) “quia mulier com viro quasi uno iugo astringitur” (o homem e a mulher estão unidos no mesmo compromisso); connubio (connubium) da nubere, velar, pelo costume de pôr um véu (flammeum) sobre a cabeça da mulher.

Para os romanos o matrimônio (sempre monogâmico; nunca foi admitida a poligamia, somente tolerada) era a convivência de um homem com uma mulher com a vontade de serem marido e mulher (affectio maritalis = carinho conjugal), que se devia manifestar com uma cerimônia pública. Este elemento distinguia o casamento da união livre. No período antigo não existia o divórcio. A intenção de viverem juntos devia ser permanente, isto é, no momento do casamento as pessoas tinham que exprimir a vontade de permanecerem juntas por toda a vida. Ainda que também podia ser que no tempo esta vontade acabasse.

A familia era natural. Para o historiador Musonio Rufo (I sec. d.C.) existia somente a família legítima (união de um homem com uma mulher) abençoada por Júpiter. O casamento homossexual nao era permitido. O imperador Nero casou-se por duas vezes na forma homossexual. Porém nunca o direito romano reconheceu o casamento homossexual. Assim se encontra em Tacito, Suetonio, Dione Cassio. Cicero definiu o matrimônio: “Prima societas in ipso coniugio est…; id autem est principium urbis et quasi seminarium rei publicae” (De Officiis, I, 17, 54; O casamento é a primeira sociedade…; por isso é o primeiro princípio da cidade e o viveiro do Estado). A definição clássica do matrimônio é aquela do jurista Erennio Modestino (m. 244 d.C.): “Nuptiae sunt coniunctio maris et feminae et consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio” (Dig. 23,2,1) (União de um homem com uma mulher, uma comunhão por toda a vida, com a aceitação de tudo o que é exigido pelo direito humano e divino). Com as palavras Coniunctio maris et feminae Modestino entendia a união sexual. Poucos anos antes, Ulpiano com esta coniunctio entendia o matrimônio mesmo, conteúdo no direito natural. Ele dizia que pela validade do matrimônio não precisa a união carnal, mas o consentimento (Digesto, 35,1,15). Segundo Ulpiano o consenso compreende a affectio maritalis, a vontade do marido de comportar-se com carinho e com respeito com a sua esposa.

A outra está contida nas Institutiones de Justiniano: “Viri et mulieris coniunctio individuam consuetudinem vitae continens” (Inst., 1,9,1). Nestas palavras se encontram os elementos fundamentais. A vontade dos cônjuges é indispensável e ao menos na intenção deve ser perpétua. O matrimônio é percebido como algo de permanente: omnis vitae. O historiador Tacito escreve: Consortia rerum secundarum adversarumque (Anales, III, 34,8), no bom e no mau destino. Plutarco na obra Bruto pôe na boca de Porcia, esposa de Bruto estas palavras: “Ó Bruto, eu me casei contigo para compartilhar a tua alegria e o teu sufrimento” (Bruto, 13). A diferença entre o casamento legítimo e a união livre era esta, portanto: a manifestação da vontade de viverem juntos por toda a vida. “Não é a união carnal mas o consentimento, a vontade, que faz o matrimônio” (Digesto, 35,1,15). Por isso a autoridade do pai não podia intervir sobre a vontade dos filhos, isto é, o pai não podia obrigar os filhos a casar-se se eles não quisessem: “Non cogitur filius familiae uxorem ducere” (Dig. 23,2,21).

Contrariamente às outras culturas antigas, no direito romano o casamento não era celebrado por etapas, mas somente com uma cerimônia, na qual se exprimia o consentimento. Nos primeiros séculos da história romana o matrimônio era indissolúvel. Somente depois, no período imperial foi admitido o divórcio. Já que a vontade é o elemento essencial para a validade do matrimônio, então, passou-se a pensar que este existe até o permanecer desta vontade. Se um dos dois não quiser mais viver com o outro, o casamento termina.

Então, depois do divorcio pode-se novamente casar. A procriação é importante mas o carinho (afeto) passa que é mais importante. Porém, a procriação é um elemento do matrimônio: se falta a capacidade física de procriar o casamento é inválido. Por isso é permitido somente depois da puberdade. É tambem proibido pelas pessoas já casadas. O matrimônio è monogâmico. A poligamia não tem lugar no direito romano. Pelos juristas não era possivel compreendê-la. Para casar-se novamente, a primeira união deve ser desligada: “Neque eodem duobus nuptia esse potest neque idem duabus uxores habere (Gaio, Inst. 1,63; não é lícito ser casado duas vezes ao mesmo tempo, nem ter contemporaneamente duas mulheres). Era proíbido o incesto, o casamento entre os primos, tio e sobrinha, tia e sobrinha. Tudo isto confirma que o matrimônio não era algo privado, mas uma realidade pública, social. É importante notar que a definição de Modestino nos fala do direito divino (divini iuris). Isto evidência uma relação do matrimônio com a divindade. Na cerimônia nupcial havia uma invocação à deusa Juno Pronuba, divindade que protegia as núpcias.

Quando a Igreja se preocupa com a família, não age fora do seu campo de ação. A Igreja faz parte da estrutura social e por isso tem o direito de exprimi a sua palavra sobre esta fundamental instituição. De fato, se a família cair, tudo vai cair.

O fato é que o matrimônio leigo e família leiga (no senso de laicista) não existe. Têm uma profunda conotação religiosa, já reconhecida seja pelos gregos seja pelos romanos.

Os gregos e depois os romanos estavam convencidos de que o matrimônio foi querido pelos deuses. Estes dois povos tiveram bem claro a existência da lei natural (lex naturalis) precedente às leis dos homens (lei positiva). Estavam convencidos de que existia um direito anterior, uma lei não escrita, precedente às leis formuladas pelos juristas. Pelos romanos já antes das doze Tábuas da Lei o matrimônio tinha uma conotação religiosa.

A Igreja fez muitas intervenções sobre a família. Além do Concílio e muitos discursos dos Papas, as intervenções oficiais estão contidas nestes documentos: Leão XIII: Arcanum Divinae Sapientiae (10-2-1880); Pio XI: Casti Connubii (31- 12- 1930); João Paulo II: Familiaris Consortio (1981); Pontifício Conselho para a Familia: Família, Matrimônio e “uniões de fato” (2000).

O Papa Bento XVI participará do Encontro de Milão e reapresentará ao Mundo o pensamento oficial da Igreja sobre o matrimônio e família no século XXI.

* Mons. Vitaliano Mattioli, nasceu em Roma em 1938, realizou estudos clássicos, filosóficos e jurídicos. Foi professor na Universidade Urbaniana e no Pontificio Instituto São Apollinare de Roma e Redator da revista "Palestra del Clero". Atualmente é missionário Fidei Donum na diocese de Crato, no Brasil.