quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A Igreja - Luz para os povos

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA “LUMEN GENTIUM” SOBRE A IGREJA

Murah Rannier Peixoto Vaz

A Lumen Gentium, que significa Luz dos Povos, foi um dos documentos publicados pelo Concílio Ecumênico Vaticano II. Este documento é uma Constituição Dogmática a respeito da Igreja e visa esclarecer a identidade e a missão da Igreja, que tem como modelo o seu fundador. A Lumen Gentium possui oito capítulos e levanta as seguintes questões: De onde vem a Igreja? O que é? Para onde vai? O documento apresenta uma tríplice constituição da Igreja: cristológica, antropológica e sacramental. Seu primeiro capítulo, intitulado “O Mistério da Igreja” apresenta a origem trinitária da Igreja que brota do mistério de Deus e deve testemunhá-lo ao mundo. A Igreja não tem outra luz senão a de Cristo, os Santos Padres apresentam a Igreja como a lua, cuja luz é o reflexo do sol: Cristo.

O capítulo I ainda aborda o rompimento das relações da humanidade com seu Criador e afirma que Deus não abandonou os homens e sempre lhes concedeu os auxílios para se salvarem (LG 2). Por isso a Igreja é apresentada como projeto do Pai Eterno, fundada em seu Filho para n’Ele oferecer aos homens a possibilidade de uma nova e “íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG 1). Por isso a Igreja, como plano salvífico do Pai Eterno, possui uma natureza e missão universal. Ela é o Reino de Cristo já presente em mistério, que cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus. Podemos assim concluir que a Igreja nasce da vontade Salvífica do Pai e se consumará na Glória.

Por sua própria natureza, a Igreja é o Corpo místico de Cristo e, sobretudo, pelos sacramentos do Batismo e da Eucaristia, somos unidos de modo misterioso e real a Cristo padecente e glorioso (LG 3). De tal modo, incorporados e assimilados a Cristo, embora muitos membros formamos um só corpo, cujos membros possuem uma multiplicidade de dons e funções, sem prejuízo da unidade, salvaguardada pela participação no único pão e pela presença unificadora do Espírito (LG 7). Sendo o Espírito “um só e o mesmo na Cabeça e nos membros, de tal forma vivifica, unifica e move todo o corpo, que Seu ofício pôde ser comparado pelos Santos Padres com a função que exerce o princípio da vida ou a alma no corpo humano (LG 7)”.

A Igreja é uma sociedade visível e espiritual, porém não se devem considerar como duas coisas, mas uma só realidade complexa em que se fundem o elemento divino e humano (LG 8).

- A Igreja de Jesus Cristo, como sujeito concreto neste mundo, se encontra na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele. Embora a única Igreja subsista em um único sujeito, também fora da Igreja existem elementos de verdade e santificação. Por isso, o esforço do ecumenismo caminha na direção de reabilitar a unidade perdida pelo pecado humano e a impele ao diálogo com outras tradições e expressões religiosas (LG 8).

- Deus torna a Igreja santa, mas, ao mesmo tempo, ela deve realizar em sua própria vida a santidade de Deus. Por essa razão, ela é semper reformanda, chamada a penitência e renovação (LG 8).

- Cristo fortalece sua Igreja para que vença as dificuldades internas e externas. De tal modo, fortalecida por Cristo, a Igreja caminha neste mundo para revelar com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo e sua luz (LG 8).

Tanto no Novo como no Antigo Testamento, a revelação do Reino é muitas vezes apresentada em imagens, cujo pano de fundo expressa uma idéia: A Igreja é Povo de Deus (LG 5-6). É isso que apresenta o II capítulo da LG, denominadoO Povo de Deus”, ele aborda o desenvolvimento histórico desse povo, chamado e constituído por Deus, em busca da santidade, com a dignidade e liberdade de filhos, em cujos corações habita o Espírito Santo. Dizer que a Igreja é Povo de Deus é recordar que nela se cumpre tudo quanto Deus havia preparado em Israel. A Igreja está presente historicamente no mundo, mas o transcende, pois a pátria deste povo é o céu (LG 9).

Jesus é o ungido do Pai e constituído com a missão de ser “Sacerdote, Profeta e Rei-Pastor”. Pelo Batismo o Povo de Deus inteiro passa a possuir a mesma dignidade, participa dessas três funções de Cristo e assume as responsabilidades de missão e serviço que daí decorrem (LG 10-11). Assim, entende-se que há um sacerdócio comum dos fiéis e que junto com o sacerdócio ministerial ou hierárquico (Bispos, Padres, Diáconos) ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em grau. Pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo.

Há na Igreja uma universalidade, pois todos os homens são chamados para serem um em Cristo e se Deus chama todos, ninguém deve ser excluído. Este caráter de universalidade que distingue o Povo de Deus é dom do Senhor (LG 13). Todos os homens são chamados a esta unidade católica do Povo de Deus, a qual anuncia e promove a paz universal, a ela se ordenam, quer os católicos quer os outros que acreditam em Cristo quer, todos os homens em geral, pela graça de Deus chamados à salvação (LG 14-16). A missão da Igreja (Apóstolos) enviada por Cristo para anunciar a verdade salvadora se abre para ir até os confins do mundo para batizar e fazer todos discípulos de Cristo (LG 17).

Os capítulos III, IV e V descrevem a estrutura orgânica da Igreja. Todos os batizados, fiéis ou pastores, têm a mesma vocação fundamental e são associados à mesma missão.

O capítulo III, cujo título é “A Constituição hierárquica da Igreja e em especial o Episcopado” aborda primeiramente a constituição hierárquica da Igreja, especificando a função dos bispos (pregar o Evangelho, governar e santificar o rebanho (LG 21,24-27), presbíteros (LG 28) e diáconos (LG 29), que estão a serviço do povo de Deus, bem como a relação existente entre eles.

Este capítulo expõe a edificação e fundação da Igreja por Jesus Cristo, o qual, chamou doze (LG 19) para serem seus Apóstolos e os enviou, como Ele fora enviado pelo Pai. Jesus quis que os sucessores deles, “os Bispos, fôssem em Sua Igreja, pastores até a consumação dos séculos (LG 18, 20)”. Para promover a unidade e indivisibilidade do episcopado Jesus constituiu o colégio dos Apóstolos e estabeleceu a primazia de Pedro. Ao colocar Pedro à frente dos outros Apóstolos, nele instituiu o princípio e o fundamento perpétuo e visível da unidade de fé e de comunhão.

“A união colegial aparece também nas mútuas relações de cada Bispo com as igrejas particulares e com a Igreja universal (LG 23)”. “Cada um dos Bispos representa a sua igreja, e todos juntamente com o Papa representam a Igreja inteira no vínculo da paz, do amor e da unidade (LG 22)”. De tal modo, pode ser afirmado que a Igreja de Cristo está verdadeiramente presente em todas as legítimas comunidades locais de fiéis, que, unidas com seus pastores, são também elas chamadas “Igrejas” e em cada uma delas está o todo da Igreja.

A seguir o IV capítulo, intitulado “Os leigos”, trata deste estado de vida na Igreja, ou seja, de todos aqueles que não são membros da Ordem ou do estado religioso, e retoma a teologia do ministério comum de todos os batizados e em seguida afirma que compete “por sua própria vocação, procurar o Reino de Deus exercendo funções temporais e ordenando-as segundo Deus” (LG 31). Os leigos, cada vez mais valorizados, são chamados à santidade a partir da sua vida de inserção no mundo, sendo sal e luz, e ao mesmo instrumento e testemunho vivo da missão da Igreja (LG 32-33). Para tal é sempre atual a necessidade de se investir na formação e na participação dos leigos na vida eclesial (LG 35).

O V capítulo da LG, denominado a "Vocação Universal à Santidade", dá imenso destaque à temática santidade, à qual todos na Igreja, desde o dia de seu batismo são chamados (LG 39-40). Este dom de santidade é oferecido a cada batizado, mas o dom gera, por sua vez, um dever, que há de moldar a existência cristã inteira. É um compromisso que diz respeito não apenas a alguns, mas "os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade". Devemos com o auxílio divino, conservar e aperfeiçoar, a vivência desta santidade que recebemos.

Em resposta ao amor de Deus o seu povo deve constantemente ir em busca de viver a sua vocação fundamental, a santidade. Devem também buscar viver os conselhos evangélicos da obediência, pobreza e castidade, mas segundo o estado de vida e cada um (LG 41). O capítulo VI intitulado “Os religiosos” afirma que embora o estado religioso não pertença à estrutura hierárquica da Igreja ele está firmemente relacionado com sua vida e santidade (LG 44). Assim, os religiosos são convidados a viver mais perfeitamente os votos evangélicos, pois ao professarem os votos se tornam testemunhas da vida nova e eterna, adquirida com a redenção de Cristo e, de tal modo, contribuem na vida de santidade da Igreja que peregrina para sua união com a Igreja celeste.

O capítulo VII foi denominado “Índole escatológica da Igreja Peregrina e sua união com a Igreja celeste”. Este capítulo aborda a escatologia da Igreja e afirma que a sua consumação, bem como a santidade de seus membros, só será plena na glória celeste (LG 48), onde tudo será plenamente recapitulado e restaurado em Cristo. Por enquanto a Igreja neste mundo vive em dores de parto, enquanto não chegam os novos céus e a nova terra. Assim, a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores de parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus.

No entanto há uma unidade entre a Igreja peregrina e a Igreja celeste, pois aqueles que já foram acolhidos na Igreja celeste continuam a interceder por aqueles que permanecem na militando na Igreja peregrina (LG 49-50). Também os que estão na Igreja peregrina podem interceder por aqueles que se purificam para serem acolhidos na Igreja celeste. Para maior bem nosso e da Igreja, procuramos na vida dos santos um exemplo, na comunhão com eles uma participação, e na sua intercessão uma ajuda. E ao celebrar o sacrifício eucarístico, unimo-nos no mais alto grau ao culto da Igreja celeste, comungando e venerando a memória, primeiramente da gloriosa sempre Virgem Maria, de S. José, dos santos Apóstolos e mártires e de todos os santos. Ali nos tornamos uma só Igreja a louvar e bendizer a Deus.

O capítulo VIII tem como título “A bem-aventurada virgem Maria, Mãe de Deus,
no mistério de Cristo e da Igreja” e teve como intenção
esclarecer a missão de Maria no “mistério do Verbo encarnado e do Corpo Místico”, mas também “os deveres dos homens remidos para com a Mãe de Deus, Mãe de Cristo e Mãe dos homens” (LG 54). Este capítulo apresenta a ligação entre Maria e o mistério trinitário, em sua dimensão cristológica, pneumatológica e eclesiológica. Seu primeiro parágrafo já apresenta uma síntese doutrinal com tudo o que será mostrado no decorrer do capítulo VIII.

Os teólogos do Vaticano II, seguindo o impulso patrístico, consideraram a mariologia como eclesiologia. A Igreja é Virgem e Mãe (LG 63-64), é concebida sem pecado e carrega o peso da história, sofre como Mãe das Dores, e, no entanto, já foi assunta ao céu. Conforme essa visão teológica, no desenvolvimento sucessivo da eclesiologia, a Igreja é antecipada e personificada em Maria. Ao mesmo tempo, a Maria não é considerada somente como Mãe do Redentor, mas como que trazendo em si todo o mistério da Igreja é chamada Mãe da Igreja.

Por todos esses aspectos o Concílio recomenda a todos os fiéis as várias formas de piedade para com a Mãe de Deus, aprovadas pela Igreja, pois elas “tem a virtude de fazer com que, honrando a mãe, melhor se conheça, ame e glorifique o Filho, por quem tudo existe e no qual “aprouve a Deus que residisse toda a plenitude”, e também melhor se cumpram os seus mandamentos” (LG 66-67). Aos teólogos e pregadores da palavra de Deus, o Concílio que os exorta a evitarem com cuidado, tanto um falso exagero como uma demasiada estreiteza na consideração da dignidade singular da Mãe de Deus. Evitem o que possa induzir em erro acerca da autêntica doutrina da Igreja os irmãos separados ou outros.

É como diz Bruno Forte: “A Igreja provém da Trindade, é estruturada à imagem da Trindade e ruma para o acabamento Trinitário da história.” Ou seja, “vinda do alto (oriens ex alto), plasmada pelo alto e rumo ao alto (“Regnum Dei praesens in mistério”, LG 3), a Igreja não se reduz às coordenadas da história, do visível e do disponível.” Finalizando, podemos dizer que a Igreja surgiu do mistério divino, caminha como mistério na Igreja Sacramento da comunhão dos homens com seu divino fundador para alcançar sua consumação escatológica.


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