terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

REFLEXÃO SOBRE A CAMPANHA DA FRATERNIDADE ECUMÊNICA


Murah Rannier Peixoto Vaz

Há alguns dias iniciamos nossa abordagem Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 aqui no seminário em vivemos. Nos dividimos e nos reunimos em pequenos grupos e diante do tema proposto começamos questionando aos membros do grupo qual a visão que se tem de Campanha da Fraternidade.

Nas falas percebe-se no grupo membros abertos a C.F. e conhecedores de seu sentido e significado dentro do tempo Quaresmal e aqueles que desconhecem o sentido da C.F., sua importância e que são resistentes a ela.

Pe. David aborda o histórico da C.F. e ressalta a sua importância com pontos concretos de mudanças no panorama político, social, econômico e ambiental brasileiro. Como verdadeira busca pelo bem comum, da dignidade pessoal e de toda a humanidade. Fatores de profunda vivência da caridade e da justiça.

A partir de então, abordamos a diferença entre uma C.F. promovida pela Igreja Católica e de uma C.F. promovida ecumenicamente. Como tal, não poderíamos deixar de lado o CONIC, no qual conhecemos sua história, as igrejas que o compõem e a sua finalidade, recordando também o incentivo do Concílio Vaticano II ao ecumenismo em prol da unidade e do compromisso das igrejas cristãs pela transformação da realidade social pela fidelidade ao projeto de Jesus Cristo.

Entrando na esfera do tema e lema da C.F. Ecumênica 2010 presentes no texto-base, ampliamos nossas noções sobre aquilo que a Igreja unida às demais igrejas e a todas as pessoas de boa vontade refletirão nesse ano e com maior ênfase nesse período Quaresmal.

Além de conhecermos tema (“Economia e vida”) e lema (“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”) alguns dos principais pontos trabalhados foram: a valorização da pessoa; o Projeto econômico solidário, uma mudança de valores que propõe a economia a serviço da vida; sustentabilidade; desmistificação do consumismo; a importância da criação de laços entre as pessoas para se atingir a plena sustentabilidade.

As estratégias elaboradas para tal finalidade são:

1 - Denunciar as injustiças, 2 – Educar e formar uma nova consciência, 3 – Conclamar igrejas, religiões e toda a sociedade para um modelo sócio-econômico-social e ambiental voltado para o ser e não para o ter.

Pelo fato da economia e a política interferirem e influenciarem totalmente a vida das pessoas, esse esquema estratégico espera ser aplicado em quatro níveis: social, comunitário, eclesial e pessoal.

Vimos dentro do texto-base a presença de uma ética e anti-ética, um jogo conflitante e antagônico na sociedade. O resultado disso é que muitas das vezes a balança pende para um dos lados, onde surge a exploração do ser humano, a exploração da natureza etc.

Hoje, em um tempo em que se faz uso de um marketing de guerrilha (compre, beba, use, coma), grande parte da sociedade cede a uma pseudo “pregação capitalista” e ergue “altares e templos” a um deus que toma várias faces e nomes diversos: dinheiro, lucro, narciso, ego, parece que remontamos aos tempos de Paulo e somos chamados a agir como ele no Areópago de Atenas.

Como bem sabemos, nem tudo que reluz é ouro (felicidade) o que mais acontece na atualidade é a decepção daqueles que depois de tanto correr atrás da dita prosperidade ao encherem seus alforjes notam que apenas encontraram ouro de tolo.

O texto-base afirma a necessidade de cooperação solidária que desenvolve as potencialidades do ser humano, do deixar de lado interesses individuais por interesses coletivos para que a humanidade tenha “mais vida e vida em ambundância”.

Como bem sabemos, o texto-base segue a metodologia do ver, julgar e agir e quanto ao aprofundamento nos atemos mais ao ver, no que visualizamos a realidade brasileira, que não difere de muitos dos países Sul-americanos: fome e pobreza, má situação do povo trabalhador, degradação do meio ambiente, projeto de desenvolvimento desequilibrado e excludente, e o deus-mercado.

Seguimos uma leitura de partes do texto-base trazendo à luz a realidade em que estamos inseridos aqui no seminário e após o julgar fizemos contribuições para o agir aqui no próprio ambiente comunitário em que estamos, mas ao mesmo passo vislumbramos nossas pastorais e a realidade de nossas dioceses e da sociedade como um todo.

A partir da frase: “Onde o teu tesouro está o teu coração!” questionamo-nos:

Quais as nossas prioridades? Quais os meus compromissos? Como sou movido em meu amor para agir concretamente em favor daqueles que sofrem? E com esses questionamentos, deixados a todos os que lerem, encerro minha reflexão.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

ROSTO DIVINO DO HOMEM, ROSTO HUMANO DE DEUS.



A face de Jesus no Evangelho de Marcos.

Murah Rannier Peixoto Vaz

Do início, em seu primeiro versículo, até o final do Evangelho, Jesus o “Filho de Deus” é uma afirmação que perpassa o texto de Marcos. Percebe-se nisso a nítida intenção de que reconhecer que Jesus é o “Filho de Deus” é uma das finalidades do Evangelho de Marcos e a face de Jesus mais marcante em todo o seu texto.


O Jesus de Marcos vem fazer oposição ao Imperador Romano, destaque para essa oposição é dizer que Jesus é o “Filho de Deus”, atributo dado ao Imperador. Marcos ressalta também um Jesus cuja face é sua entrega pelo povo para a salvação de seus pecados. Diferentemente do Imperador Romano que só cuida de seus interesses particulares.

Bem no coração do Evangelho, Jesus pergunta a seus discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?” (8, 27). Na resposta dos discípulos é notória a confusão que o povo e mesmo os próprios discípulos de Jesus faziam a respeito de sua pessoa. Parece ser o fracasso de Jesus, mas Pedro toma a palavra e diz: “Tu és o Cristo”, quer dizer o messias enviado por Deus para salvar seu povo.

O Evangelho de Marcos parece ser o mais milagreiro, ao todo são 18 milagres, entre eles quatro exorcismos de espíritos impuros, os quais reconhecem Jesus como o “santo de Deus” (1, 24) e o filho do “Deus altíssimo” (5, 7). Tal reconhecimento por seres como os demônios vem comprovar a identidade divina de Jesus.

Porém, na segunda parte do Evangelho há um Jesus diferente, apresentado como o “filho do homem”, um tanto quanto misterioso e ligado a figura do “Servo sofredor” do livro de Isaías. Aparentemente, Marcos usa esse termo para apresentar a dupla natureza de Jesus, todo Deus e todo homem. Enquanto Deus aquele que vem assumir sobre si a redenção da humanidade, mas enquanto homem oferecendo-se em sacrifício, passando pelo sofrimento, rejeição e a morte, mas finalmente vencendo a morte e ressuscitando ao 3º dia.

Marcos partilha com os leitores as emoções de Jesus, seus sofrimentos, sua fraqueza, sua esperança e no capítulo 14, 32 o medo de Jesus diante do sofrimento e sua angústia perante a morte. Mas ao mesmo tempo, Marcos apresenta um Jesus que impera (dá ordens) à doença, à morte, aos demônios, aos homens, às forças da natureza.

Outras particularidades que podem ser vista como atributos que apresentam a nós o rosto de Cristo e sua personalidade no Evangelho de Marcos:

O ungido do Espírito Santo (1, 10).

Aquele que ensina com autoridade (1,22) e age com autoridade (4, 41).

Dependendo da tradução - Irado/ compadecido (1, 41).

Alguém que toca e se deixar tocar pelas pessoas (1.41 e 5.27)

Um Jesus em tudo humano que come, bebe, tem fome e fica exausto (2.16; 15.36; 11.12; 4.38-39);

Mestre (6, 2; 11,21; 14,45).

Homem da caridade (9, 41).

Carpinteiro, filho de Maria (6, 3).

O rei que expulsa os seus adversários (3, 13-19; 6, 7-13 ).

Rei dos Judeus (15, 16).

Cidadão (12, 17).

Senhor de Davi (12, 37).

Homem da oração (14, 32).

Conclui-se que a divindade de Jesus é especialmente realçada pela sua humanidade. É como dito por Leonardo Boff, “Alguém tão humano só podia ser divino”.

Bibliografia:

Bíblia Edição Pastoral, 57ª Impressão, outubro de 2005.

Bíblia de Jerusalém, 5ª Impressão, São Paulo: Paulus, 2005.

Bíblia Sagrada - Tradução da CNBB, 2ª Edição, Várias Editoras, 2002.

SCHIAVO, Pe. Luigi. Seguidores de Jesus – O caminho dos discípulos a partir do Evangelho de Marcos. Livreto publicado pela Arquidiocese de Goiânia, Goiânia, 2006.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

BARRAGENS - UM DESASTRE ECOLÓGICO, SOCIAL E CULTURAL NO SUDESTE GOIANO




Murah Rannier Peixoto Vaz


Há pouco mais de dez anos, desde que se privatizou o setor elétrico brasileiro no governo Fernando Henrique Cardoso, boa parte da produção, transmissão e distribuição da energia elétrica foi entregue para as mãos da iniciativa privada, ou seja, quase tudo entregue para grandes grupos econômicos internacionais. De lá para cá tem surgido o interesse de expandir a área energética com a construção de novas usinas hidrelétricas e assim surgiu uma grave ameaça para rios e extensas áreas de terra ainda preservadas com a construção de barragens para a geração de energia em nosso país. Somente em Goiás há a proposta de construção de oitenta barragens, sendo vinte e duas delas localizadas no Sudeste goiano.
Também está na memória dos brasileiros a grave crise energética, vulgarmente chamada de “apagão”, que teve seu ápice no ano de 2001, porém, não se justifica a construção de barragens sem as devidas precauções, sem estudos geológicos, geográficos e de impacto ambiental, cultural e social. Ainda poderíamos fazer uma imensa crítica à falta de interesse e de estudos por parte do governo em outras formas de obtenção de energia limpa e renovável em um país tropical como o Brasil, onde há sol e vento em boa parte do ano, podendo extrair-se energia solar e eólica.
As barragens são a mais recente ameaça ao bioma cerrado, já não bastasse tudo o que foi destruído para abrir áreas de criação de gado e áreas de agricultura monocultora onde se perdem de vista as lavouras de soja, cana etc. Nós, moradores do bioma cerrado, devemos nos preocupar, pois diz-se que hoje pouco mais de 20% da vegetação não sucumbiu sob a mão do homem. Ao pensar em construir uma usina hidroelétrica que deixará várias glebas de terra com imensas áreas de mata e com fauna e flora preservadas irem para debaixo d’água, é preciso ter tempo para fazer um aprofundado estudo no desequilíbrio ecológico que será gerado, tendo em conta todos os possíveis problemas que venham a surgir e pesar na balança se vale a pena ir em frente. Mas quando não há como evitar este mal é preciso estudar e buscar formas de transferir os exemplares da fauna para outras áreas e, também, coletar e preservar alguns exemplares da flora típicos do local, sem provocar outros desequilíbrios em outras áreas. Saiba-se, contudo, que a mortandade da fauna e, principalmente, da flora ainda assim é gigantesca.
Com a imensa envergadura deste projeto chamado “Barragem Serra do Facão” no rio São Marcos, bacia do Alto Paraná, não é possível querer ser imediatista, pois todos os problemas se não são bem pensados podem ter efeitos catastróficos. Além da irreversibilidade da destruição e do desaparecimento de espécies endêmicas de fauna e flora, e inclua-se nisso espécies até mesmo desconhecidas da ciência, há outras questões que tem efeitos irreversíveis, como, o êxodo rural de pessoas que durante toda sua vida trabalhavam no campo. Alguns por gerações estiveram nessas terras que agora serão inundadas, abandonarão suas raízes culturais e afetivas, e terão que se adaptar a vida urbana, muitos deles, aumentando os bolsões periféricos dos municípios, perdendo, entre tantas outras coisas, a sua própria dignidade de vida.
Entre o desequilíbrio sócio-cultural há uma mão dupla: o êxodo rural de pessoas dos próprios municípios atingidos e o processo migratório que atrai pessoas de diversas cidades e estados para trabalharem na construção da barragem. Isto traz uma falsa ilusão de desenvolvimento, de progresso, todavia, após o término das obras ficam todos sem emprego e, as usinas depois de construídas irão gerar ínfimos sete empregos diretos. Para aqueles que deixaram suas terras surge um grave problema: não têm outra experiência a não ser o trabalho no campo e o trabalho braçal. Como não há tantas opções de empregos, nem mesmo cursos profissionalizantes para lhes apontar outras direções, observa-se uma grande possibilidade de desemprego generalizado que forçará estas pessoas a novos processos migratórios dentro do Estado e do país.
Grupos e movimentos sociais de vários segmentos organizados da sociedade, como a Diocese de Ipameri com o forte apoio das Paróquias de Catalão, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB - Seção Catalão), a Associação dos Docentes – Campus de Catalão (ADCAC), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) e o Sindicato dos trabalhadores das Mineradoras (METABASE) iniciaram estudos e compreenderam que haviam grandes danos sócio-ambientais e lutaram tenazmente para combater o avanço das obras. Iniciou aí a criação de um movimento popular de resistência à obra, entretanto, se não foi possível impedi-las, pois se trata de um jogo de interesses de grandes grupos, ao menos foi possível conseguir mais tempo para se planejar como lidar com os problemas que a usina acarretará.
Alguns desses mesmos grupos e movimentos auxiliaram nos cadastros dos proprietários e funcionários de terra atingidos pela barragem e encontraram mais de uma centena de pessoas que não estavam na lista oficial do projeto Serra do Facão, dezenas de famílias que teriam suas terras expropriadas e não receberiam nem um centavo por elas. Além do cadastro tem se lutado por uma justa indenização aos atingidos pela barragem, pois a oferta inicial era, no mínimo, ofensiva, não cobriam o valor real das terras e de suas benfeitorias. Várias têm sido as conquistas em favor dos atingidos pela barragem, porém, ainda assim, temos o sentimento de uma grande perca, pois não foi possível o impedimento da execução da obra.
Só futuramente poderemos avaliar o quão prejudicial terá sido o impacto causado por esta obra colossal e feita para atender o interesse imediatista do governo cobrado por grandes grupos de mercado em detrimento ao interesse dos pequenos, pobres e marginalizados.