sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A RELAÇÃO DE AMOR ENTRE DEUS E A HUMANIDADE COMO MANIFESTAÇÃO DA GRAÇA

Murah Rannier Peixoto Vaz

A graça pressupõe uma relação e isso, de um ponto de vista existencialista e fenomenológico, requer a existência de: dois sujeitos (cuja subjetividade não é destruída pela relação); da gratuidade (relação não interesseira e nem obrigatória, mas livre); um dos dois sujeitos pode dar origem à relação sem que o outro perca a liberdade; o amor é mais do que as suas manifestações (não pode ser reduzido a atos somente); o fruto do amor é o amor: amo porque amo.
Contudo as relações humanas de amor são limitadas e imperfeitas, por causa da mancha do pecado que causa vícios nas relações: interesses, busca de retribuições, egoísmos, etc. Diferentemente das relações trinitárias, que são perfeitas, gratuitas e sempre correspondidas. Estas últimas são referência como verdadeiro modelo de uma relação de amor, ainda que jamais alcancemos plenamente este modelo aqui, neste mundo.
Na relação de um sujeito com outro surge um terceiro elemento, distinto de ambos e que os põe em relação de comunhão. Tal elemento é o próprio amor, a graça, que como relação amorosa é a forma como Deus habita e se comunica a nós. Ou seja, o amor (O) surge entre a pessoa A e a pessoa B (A O B), mas o amor não é A e nem B, mas é uma realidade que une e gera comunhão entre os dois.
Nos evangelhos São João Evangelista é quem mais expressa essa visão de relação de amor intratrinitário. Deus é amor e desde sempre é amor. O amor requer sempre o outro, o amado, então desde sempre Deus não está sozinho, mas vive em relação com o Filho. Como amor nunca é simplesmente dual, mas sempre está aberto ao outro, há nessa relação um terceiro elemento responsável pela comunhão do Pai e do Filho: o Espírito Santo, que desde sempre é manifestado pela relação do Pai e do Filho. Sendo amor que é amor em si mesmo, tudo o que Deus faz é amor, pois Deus não pode não amar, porque Ele não pode não ser.
São João evangelista também apresenta a existência de uma relação de amor de Deus pela humanidade, responder a esse amor e permanecer nele é forma de permanecer na graça. De tal modo, romper com essa relação seria romper com a própria graça. Assim, Deus ama por primeiro, mas o amor chama ao amor, exige uma resposta, a adesão livre ao amor primeiro de Deus. Quem ama conhece a Deus e é gerado por Ele, ou seja, torna-se nova criatura, torna-se filho no Filho. Aqui ocorre uma transformação que provoca a passagem da morte para a vida pelo amor.
Deus tanto amou a humanidade que enviou seu próprio Filho para que todo aquele que nele crer tenha a vida eterna. Crer supõe conhecer, seguir aquilo que se conhece supõe identificação e identificação leva a uma imitação das atitudes daquele com quem se identifica. Identificar-se com Jesus é mais do que cumprir preceitos, mas é permanecer na relação, viva, atual e dinâmica, que leva a agir como Jesus, dando a vida e amando segundo a verdade. Assim, movidos pelo Espírito, Jesus permanece em nós e nós nele e, por resposta de adesão ao amor, nessa relação guardamos sua palavra e seus preceitos, colocando-nos no caminho da Via Crucis seguimos confiantes de que o amor não nos abandonará e ao fim nos cumulará como co-herdeiros da graça e da herança eterna.

A CHARIS – A GRAÇA DE DEUS

Murah Rannier Peixoto Vaz

A graça é uma participação na vida divina (CEC 1097), que nos introduz na intimidade da vida Trinitária. Desponta em dois sentidos: o natural e o sobrenatural. A graça santificante é uma realidade rica e complexa. Através da graça concedida pelos méritos de Cristo e não do próprio homem, o homem é santificado, renovado interiormente e justificado de seus pecados. A graça infunde a fé, a esperança e a caridade, meios necessários para a disposição do homem a ser justificado. Como a graça é uma categoria relacional onde é gerada a comunhão, como um movimento contínuo, quando há ruptura na relação rompe-se com a graça e fecha-se a ela, pois permanecer na graça é permanecer na relação com Deus, em Jesus Cristo, por meio do Espírito.

Percorrer-se-á o sentido sobrenatural encontrado nas cartas católicas e paulinas:

A graça é dada por Deus aos humildes; é multiforme em dons e carismas; produz constância e firmeza naquele que a recebe e de modo algum pode ser banalizada. É dada pela revelação por Jesus; o conhecer Jesus concede graça e paz; porém, é preciso crescer na graça, pois o próprio Jesus crescia em graça e estatura.

Graça e salvação – É preciso colocar a graça recebida ao serviço dos outros, pois a graça é um Dom, dado livremente, que para continuar a ser dom deve ser dado livremente. A graça dada é algo definitivo, irrevogável da salvação, da redenção, da justificação; que se torna transformação em Cristo.

Nas cartas paulinas encontra-se constantemente a menção à desproporção da graça divina frente a nossos méritos, ela é infinitamente maior e vai além de tudo o que se possa pedir e conceber. Por isso somos justificados pela graça e não pelas obras, ainda que as obras sejam sinal de que a graça opera em nós.

Graça e sofrimento – é graça suportar as dificuldades e aflições, sofrer injustamente. Isso constitui ação louvável, sofrer o máximo pela mínima culpa, unindo-se ao exemplo do Cristo. A graça não vem do próprio homem, mas é algo externo e o capacita para a doação de si, oblativamente e altruisticamente. É a graça quem concede sofrer por Cristo, uma graça que não pressupõe renunciar a si mesmo não é graça, pois a maior graça é conhecer Jesus, ele é a própria graça, que convida a deixar tudo e segui-lo, achando isso um grande lucro e tomando por esterco o que é deixado. Assim, a graça também é tida como a vida eterna, unido a Cristo.

Como visto, as obras permanecem necessárias, mas são resposta à graça concedida anteriormente. De tal modo, é a graça quem prepara as obras, fazemos o bem porque o Pai é bom e sem a graça as obras jamais seriam meritórias.

A graça pode ser dividida ainda em graça incriada e graça criada. Graça incriada é o próprio Deus uno e trino, já a graça criada são as mais diversas formas da graça multiforme criada e dada por Deus. Por isso, a graça criada é um dom produzido por Deus, do qual não podemos produzir, pois não é fruto de nossos esforços, nem de nossa natureza.

Também pode se dividir a graça santificante em dom habitual e atual:

1 - A GRAÇA, UM DOM HABITUAL – Enquanto dom habitual é “uma disposição estável e sobrenatural para aperfeiçoar a própria alma a viver com Deus (CEC 2000)” e agir por seu amor. É recebida no batismo e aumentada na participação e recepção dos demais sacramentos. É uma qualidade inerente e infusa na alma, ela eleva, ou seja, restaura a imagem e semelhança de Deus no homem e o eleva da condição de criatura à altíssima condição de filho de Deus; ela também sana: sara a natureza corrompida e cura as feridas do pecado, para que o homem possa realizar obras merecedoras de vida eterna.

Hábito: 1) Entitativo – age sobre o ser, sobre a alma.

2) Operativo – virtudes e dons.

Essa graça é perdida pelo pecado mortal, mas pode ser reparada através do sacramento da penitência e também pela unção dos enfermos, ou extrema unção.

2 - A GRAÇA, UM DOM ATUAL – A graça atual são “as intervenções divinas, quer na origem da conversão, quer no decorrer da obra de santificação (CEC 2000)”. É uma ajuda sobrenatural de Deus, pela qual o homem se faz apto a agir como se convém para obter a vida eterna. Não ocorre apenas externamente, mas internamente e por ela Deus age em nós, ainda que nem tudo se faça somente pela graça.

A graça atual pode ser concedida de diversos modos, por uma iluminação do entendimento, por inspiração da própria vontade. Também pela graça elevante que auxilia o homem a agir com a prática de boas obras, a graça medicinal ajuda a conhecer a verdade e agir segundo a verdade e para evitar e rejeitar o pecado. A graça atual ainda desencadeia no homem o próprio desejo da graça e da salvação e o dispõe a iniciar-se na fé e nela perseverar.

Uma das características da graça atual é que ela é transitória. Isto é, serve para “aquele momento”, é específica. Depois daquela, pode vir outra, mas ela passou e o homem pode tê-la acolhido ou não, mediante a sua abertura.

A graça não é uma imposição onipotente de Deus a qual não se pode resistir, mas na verdade é um auxílio que pede a cooperação e a disponibilidade do homem. O homem é chamado a cooperar livremente com a graça, que, no caso da não aceitação, pode ser rejeitada, mas quem sai perdendo é o próprio homem.

A graça atual está sempre em vista da graça sobrenatural santificante. Pode ocorrer também em alguém fora da graça santificante e dessa forma pode conduzir a ela.