Esse
texto faz parte da obra inédita, em vias de ser publicada, denominada "As
terras do Divino Espírito Santo - História de fé e luta de um povo",
Volume I, de minha autoria. O texto seguinte faz parte de seu 1º capítulo.
A IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA
Murah Rannier Peixoto Vaz
Simbolicamente,
pode-se afirmar que a Igreja é como uma flor. Desejada pelo Pai, plantada pelo
Filho, nutrida pelo Espírito Santo e cultivada pelos apóstolos. Essa flor é
formada por diversas pétalas, unidas em um mesmo pendão, estabelecidas sob um
mesmo caule, alicerçadas nas mesmas raízes. Cada pétala que se afasta das
demais, leva consigo o seu brilho e parte da beleza da flor, que acaba ferida e
desfigurada, mas continua viva, pois suas raízes e seu caule permanecem lhe
fornecendo aquilo que é próprio da semente plantada. O mesmo não se pode dizer
das pétalas separadas. Muitas não sobrevivem, as demais ficam privadas daquilo
que lhe é próprio e acabam se alicerçando sob outras raízes. Cada um que se
afasta não destrói a Igreja, mas deixa vazio o lugar que devia preencher nas
paredes desse edifício espiritual que é a Igreja e, o qual, ninguém ocupará se
o próprio não o ocupar.
Qual
compreensão de si mesma tem a Igreja? De modo sintético, é isso o que esse
texto abordará. A Igreja possui notas, ou seja, características próprias que
lhe garantem ser a Igreja de Cristo. Essas quatro notas foram definidas, no ano
de 381, no “Credo” Niceno-Constantinopolitano, estabelecido nos Concílios de
Constantinopla e Nicéia, porém, já eram correntes. Encontradas anteriormente no
“Credo” de Santo Epifânio e no de São Cirilo de Jerusalém (MYSTERIUM SALUTIS,
1975, p. 5).
De
tal modo, a Igreja é Una por sua
fonte, o Deus Uno e Trino, por vontade expressa de seu fundador, Jesus Cristo (Cf. Jo 17,21), que nos une com Deus, por
meio do Espírito Santo de amor, alma da Igreja, que realiza a comunhão dos
fiéis. Conclui-se que, ainda que formada pelos diversos membros, a Igreja forma
um só corpo em harmonia, cuja cabeça é o Cristo. Essa unidade se dá internamente (em três aspectos: fé, sacramentos e comunhão
hierárquica) e externamente (geograficamente e antropologicamente, ou seja, a
totalidade dos homens, santos e pecadores, a caminho), já nos primórdios da Igreja
ela aparece com ênfase e destaque: “A multidão dos fiéis era um só coração e
uma só alma” (Cf. At 4, 32); A Igreja é Santa porque instituída por Jesus Cristo, aquele que é três vezes
santo. N’Ele a Igreja é enxertada, tornando-se os membros de Seu corpo, e por
Ele é constantemente nutrida pela Graça divina que a santifica e a faz sempre
nova. Como nova vinha que substituiu a antiga[1]
(Cf. Is 5,1-7; Mt 21,33-46),
“seu crescimento não é fácil, ela é maltratada por repentinas fases de seca, de
geada e de dolorosas podas, mas não podem faltar os frutos nos sarmentos
inseridos na videira fundamental”[2].
Consequentemente, a Igreja vai além de uma mera instituição humana e realiza-se
por obra do Espírito Santo. Quanto à essa santidade diz o Catecismo da Igreja
Católica:
A
Igreja é santa, mesmo tendo pecadores em seu seio, pois não possui outra vida
senão a da graça: é vivendo de sua vida que seus membros se santificam; é
subtraindo-se à vida dela que caem nos pecados e nas desordens que impedem a
irradiação da santidade dela. É por isso que ela sofre e faz penitência por
essas faltas, das quais tem o poder de curar seus filhos, pelo sangue de Cristo
e pelo poder do Espírito Santo (CEC 827).
A
Igreja é Católica porque possui um
chamado universal, no sentido de integralidade e de totalidade (CEC 830). Ela é
aberta a todos os povos, culturas e nações (Cf. At 2, 4), e, por isso, é
chamada de Sacramento Universal da Salvação. Todo aquele que se salva se salva
por meio dela[3].
Por isso, ela é chamada a se estender até os confins da terra; a “Igreja é Apostólica por
ser fundada sobre os Apóstolos...” (CEC 857). A Igreja, cuja edificação
permanece sob o alicerce dos apóstolos presididos por Pedro, continua a conservar
e transmitir, com a orientação do Espírito Santo, o ensinamento de Cristo e de seus Apóstolos. Estes sucessivamente, por
concessão do Romano Pontífice (Cf. At 1,15-26), transmitem o mandato de Cristo
a novos Apóstolos (Colégio dos Bispos) e são presididos por Pedro, na pessoa do
atual Papa[4], o Bispo de Roma, que possui
uma sucessão direta do Apóstolo Pedro. Desse modo, a Igreja, “continua a ser
ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos até a vinda de Cristo, graças
aos que a eles sucedem na missão pastoral” (CEC 857).
A fundação da Igreja é de direito divino, pois foi fundada por
Jesus Cristo, Deus que se fez homem. Assim, “a Igreja é humana porque Jesus é
humano, ela é divina porque Jesus é divino” (SUGAI, 1996, p. 88). Portanto,
Deus se fez homem para estar mais próximo dos homens. Ao assumir totalmente a condição
humana restaurou a humanidade corrompida pelo pecado original e, mais do que
isso, elevou-a a uma condição superior a anterior à queda. Dentro de seu plano
de salvação, Jesus fundou a Igreja e a fez humana e divina. Desse modo, a
hierarquia apostólica se fundamenta na vontade e no direito divino de Cristo.
No início de seu ministério Jesus chamou doze para viverem em comunhão consigo
e para estarem mais próximos de si, instituindo o Colégio Apostólico (Cf. Mc 3,
13-19; Lc 6, 13-16). De modo diverso, foram chamados outros setenta e dois
discípulos (Cf. Lc 10, 1). Dentre o grupo dos doze, Cristo escolheu Simão, a
quem chamou de Pedro (Cf. Mt 16, 18-19) e o pôs à frente de seu Colégio
Apostólico. Sobre a mudança de um nome na Bíblia, Bourke faz a seguinte
afirmação: “No pensamento semítico, o nome designava o que a pessoa era, e o
recebimento de um novo nome indicava alguma mudança na pessoa que o recebia[5]” (2011, p. 694).
Pedro recebeu de Cristo o ofício de ser o pastor de um só povo e
um só rebanho, apascentando e confirmando os irmãos na fé (Cf. Jo
21, 15 ss; Lc 22, 32)[6]. Cristo é o Pastor, a
rocha, pedra angular rejeitada, mas transmite a Pedro a autoridade que o Pai
lhe concedeu. A sucessão apostólica, por meio da contínua transmissão do múnus
petrino de confirmar os irmãos na fé e a autoridade de ligar e desligar dada
por Cristo (Cf. Mt 16,18-20), garante que a Igreja subsista através dos tempos,
conforme a vontade de seu divino fundador, que prometeu permanecer conosco até
o fim dos tempos (Cf. Mt 28,20). A missão dos Apóstolos é a missão de Cristo.
Não por mérito pessoal, mas, “pela participação na graça de Cristo, os
Apóstolos prolongam na história, até a consumação dos tempos, a mesma missão de
salvação de Jesus em favor dos homens” (PDV, 2005, p. 39). Isso ocorre como
continuidade do “corpo místico de Cristo” de onde recebemos todos os seus
méritos:
Não existe salvação sem a Igreja. Todos os homens podem ser salvos
pela Igreja, ou na Igreja. Através da Igreja quando, desconhecendo a Igreja,
vivem de acordo com a retidão de suas consciências; na Igreja quando,
conhecendo a Igreja, buscam as graças de salvação deixadas na Igreja por Jesus
Cristo (SUGAI, 1996, p. 88).
Desde
os primórdios do cristianismo, a Igreja de Roma presidia as demais na caridade.
Em nenhum outro lugar do mundo foram mortos tantos cristãos. Além de todos os
outros cristãos, foi ali que Pedro e Paulo, as colunas da Igreja, levaram a
termo a sua fé, sendo martirizados. Em Roma está o túmulo de Pedro, que foi
crucificado como seu divino mestre. Em Roma foi plantada a pedra sob a qual
Cristo fundou sua Igreja. Nessa cidade foi eleito Lino, o primeiro sucessor de
Pedro. Por esses motivos, permanece em Roma a Cátedra de Pedro.
Resumindo
o que é a Igreja, podemos dizer como Bruno Forte: “A Igreja provém da Trindade,
é estruturada à imagem da Trindade e ruma para o acabamento Trinitário da
história” (2005, p. 9). Ou seja, “vinda do alto (oriens ex alto), plasmada pelo alto
e rumo ao alto (“Regnum Dei
praesens in mistério”, LG 3), a Igreja não se reduz às coordenadas da
história, do visível e do disponível” (FORTE, 2005, p. 9). Finalizando, podemos
dizer que a Igreja surgiu do mistério divino, caminha como mistério na Igreja,
Sacramento da comunhão dos homens, com seu divino fundador, para alcançar seu
destino: a consumação escatológica.
Por
tudo isso, acreditar na Igreja Católica significa crer no projeto de salvação
para a humanidade, estabelecido pela própria Trindade; acreditar na Igreja
significa confiar em Jesus Cristo e em sua promessa de que enviaria o Espírito
Santo que a manteria na Verdade e regeria essa instituição, fundada por Cristo
e jamais desamparada (Cf. Jo 16, 12-13), para levá-la ao encontro do Pai.
[1] A vinha é símbolo do povo de
Israel (Jer 2, 21), Deus promete uma nova vinha (Is 27, 2-6).
[2] Missal Dominal, São Paulo:
Paulus, 1995, p. 415.
[3] Mesmo aqueles que não estejam em
plena comunhão com a mesma, mas vivam a unidade pelo batismo e pela Palavra,
pois o Espírito Santo sopra como lhe apraz, ele não se limita às fronteiras da
Igreja, todavia, a Igreja foi o meio, isto é, o instrumento concreto e seguro
que o Senhor nos deixou para nossa salvação.
[4] Bento XVI é o 266º
Papa e o 265º sucessor de Pedro.
[5] O mesmo aconteceu
com outros personagens bíblicos bem conhecidos, entre eles: Abrão – Abraão e
Oséias – Josué
[6] O Bispo de Roma sucede a Pedro nominalmente e os Bispos, por ele
legitimamente aprovados, sucedem aos Apóstolos colegialmente.
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