sexta-feira, 19 de outubro de 2012

ESCOLA ESTADUAL DOM BOSCO - 80 ANOS

PORQUE O NOME ESCOLA ESTADUAL “DOM BOSCO”?
 
Murah Rannier Peixoto Vaz (1)
OBS: Texto escrito em 2008.

No ano em que a Escola Estadual Dom Bosco completa seus 80 anos (2) de existência e serviços prestados à comunidade ipamerina, é bom rememorarmos sua história e, pesquisando, indagarmos até mesmo o por quê deste nome. Por que esta escola receberia o nome de Grupo Escolar Dom Bosco(3), e que apesar de diversas mas pequenas variações(4) é o nome que perdura até os dias atuais, receberia tal nome e o fixaria?

Seria simplismo neste caso, dizer que se deve apenas a devoção da diretora da escola àquela época(5) .

Para esclarecer esta pergunta faz-se necessário recorrermos a uma análise que se funda na chegada de Dom Emanuel Gomes(6) em Goiás.

Em 15 de abril de 1923, Dom Emanuel Gomes de Oliveira é sagrado Bispo e assume o Báculo da Diocese de Goiás. Religioso da Congregação dos Padres Salesianos, os chamados “Filhos de Dom Bosco”, desde o início de seu episcopado D. Emanuel começa a introduzir um grande estímulo às escolas em todo Estado, em especial a criação de Escolas Paroquiais. Em 1933, na data de 13 de agosto recebe a imposição do Pálio Arquiepiscopal, devido a elevação da Diocese de Goiás a Arquidiocese de Goiás. Sendo Salesiano, no tempo em que governou a Arquidiocese(7) , em suas andanças acabava também incentivando a devoção a Dom Bosco(8), canonizado apenas 11 anos após D. Emanuel ter tomado a direção da, então, Diocese de Goiás.

Além de seguir o carisma de sua ordem e os passos de Dom Bosco na área da Educação, e de expandir a devoção ao seu confrade, D. Emanuel também carregou consigo a devoção a Nossa Senhora Auxiliadora, criando uma paróquia com sua invocação em Goiânia, a nova capital de Goiás(9) .
 
Devido seu impulso à Educação em todo o Estado, D. Emanuel é conhecido como o “Bispo da Instrução”, tendo autorizado e estimulado seus padres a construírem diversas escolas, em todo o interior goiano, possibilitando fácil acesso a educação a milhares de pessoas do interior e capital(10) . Corroborando com este histórico é interessante o que diz-nos o Papa João Paulo II na saudação da sua homilia na Celebração da Palavra realizada em Goiânia no ano de 1991: “(...) Recordo, com admiração, a extraordinária obra educacional do grande filho de Dom Bosco, Dom Emanuel Gomes de Oliveira, cujas escolas abriram o caminho para a disseminação do ensino pelo interior do Estado. Esta obra foi coroada pela Universidade Católica de Goiás, a primeira instituição universitária do centro-oeste brasileiro, criada após sua morte pelo primeiro Arcebispo de Goiânia, Dom Fernando Gomes (...)(11)” .

Nota-se que a influência salesiana em Goiás, por parte de D. Emanuel foi tão forte, que chegou até mesmo a influenciar devocionalmente a 1ª Dama do Estado, Dª Gercina Borges Teixeira, esposa do Dr. Pedro Ludovico Teixeira(12) , Interventor Estadual de Goiás. Católica praticante, Dª Gercina tinha como diretor espiritual D. Emanuel. Nesta proximidade, Dª Gercina inclusive a pedido de D. Emanuel, sugeriu a escolha de Nossa Senhora Auxiliadora como Padroeira da Capital do Estado(13).

Entre várias outras, D. Emanuel esteve em Ipameri de 11 a 15/08/1938(14) , durante a festa de N. Sra d’Abadia, inauguração e sagração do Altar-mor(15) da nova Matriz(16) de Ipameri, hoje Igreja Catedral da Diocese. Com certeza em suas andanças por nossa cidade, também tratou de promover a memória do venerável São João Bosco.

Conclui-se então, que a devoção de Dª Almerinda Arantes(17), não era apenas uma particularidade pessoal, mas havia aí toda uma influência advinda de D. Emanuel Gomes de Oliveira, e que se espalhou pelo Estado nas décadas de 30, 40 e 50.
 
NOTAS DE RODAPÉ

(1)O autor é ex-aluno da Escola Estadual Dom Bosco e hoje é seminarista da Diocese de Ipameri, graduado em Filosofia e graduando do curso de  Teologia do Instituto de Filosofia e Teologia Santa Cruz.


(2)Criada em 1928 e inaugurada em 1929, a primeira assumir sua direção é Dª Julia Guimarães.

(3)Originariamente criada com o nome Grupo Escolar Coronel Francisco Vaz, trocado posteriormente para Grupo Escolar de Ipameri e mais uma vez trocado para Grupo Escolar Dom Bosco.

(4)Escola Estadual Primeiro Grau “Dom Bosco”, Escola Integrada “Dom Bosco” e o atual nome, Escola Estadual “Dom Bosco”.

(5)Dª Almerinda Arantes.

(6)A passagem de Dom Emanuel Gomes de Oliveira pelo bispado de Goiás é marcada por notáveis realizações nos campos eclesiástico e social. Foi ele o grande construtor de igrejas e escolas.


(7)Exerceu seu pastoreio até sua morte em 12/05/1955.

(8)Dom Bosco era um sacerdote dedicado, e uma de suas áreas de evangelização foi a Educação, a qual entregou-se com esmero. Como educador, desenvolveu a educação infantil e juvenil e o ensino profissional. São João Bosco gozava de grande prestígio e fama por ter morrido em ares de santidade em 1888. Foi canonizado e elevado aos altares pelo Papa Pio XI em 1º de abril de 1934,

(9)Em 1957, esta paróquia teria sua Matriz Paroquial sagrada como sede da Catedral da nova Arquidiocese de Goiânia.


(10)Segundo o Deputado Federal Domingos Neto Velasco em discurso proferido na Câmara Federal em sessão realizada em 15 de abril de 1948, naquele ano já somavam um total de 25 escolas paroquiais, 15 ginásios oficializados, 11 escolas normais, 2 escolas de aprendizado agrícola, uma escola de enfermeiras, e ainda formou o patrimônio da Escola de Farmácia e Odontologia de Goiânia.


(11)João Paulo II. Homilia proferida na Celebração da Palavra na Esplanada do Estádio «Serra Dourada» de Goiânia. Viagem Apostólica ao Brasil, terça-Feira, 15 De outubro de 1991.
 
12)Político brasileiro, nasceu na cidade de Goiás-GO em 1891. Formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1915). Um dos líderes da revolução de 1930 em Goiás, interventor federal no Estado (1930-1933) e governador de 1935 a 1937, foi responsável direto pela mudança da capital de Goiás, da cidade de Goiás para Goiânia. Interventor federal pela segunda vez (1937-1945 e governador eleito (1951-1954), além de ser senador eleito por duas vezes (1955-1962 e 1962-1970), teve seu mandato cassado pelo Ato Institucional Nº5. e suspensos seus direitos políticos por dez anos, em 1969.

(13)Nossa Senhora Auxiliadora foi escolhida padroeira de Goiânia em 1935, ano em que se instalou, em 20 de novembro, o município da nova Capital de Goiás. Padroeira dos salesianos, Dom Emanuel Gomes de Oliveira também rendia a ela sua devoção.

(14)Quatro anos após a elevação de Dom Bosco aos altares. Na mesma ocasião lançou a pedra fundamental do Educandário N. Sra. Aparecida, no dia 15/08/38.

(15)Primeiro Altar sagrado nas Igrejas da Arquidiocese de Goiás.
(16)A inauguração se deu no o dia 14 de Agosto de 1938.

(17)Diretora da escola na gestão em que houve a mudança do nome da escola de Grupo Escolar de Ipameri para Grupo Escolar “Dom Bosco”.
 
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

VEIGA, João. Ipameri Histórico. 1967.

WISE OFM, Frei Alexandre. No coração do Brasil. Ensaio da História dos Quarenta Anos (1943-1984) da Custódia do Santíssimo Nome de Jesus em Goiás. 1989, Ed. Vozes. Petrópolis-RJ.


REZENDE, Íris. Pedro Ludovico - A saga da construção de Goiânia no coração do Brasil. Secretaria Especial de Editorações e Publicações. Senado Federal, 2001, Brasília-DF.


FONSECA E SILVA, Con. J. Trindade da. RAMOS JUBÉ, José M. SOUZA LOBO, José F. de. (Orgs.) Livreto dos 25 de Bispado de D. Emanuel: Vinte e cinco anos de benefícios ao Estado de Goiaz. A Dom Emanuel primeiro Arcebispo de Goiaz, a voz agradecida de suas obras. 1948.


PAULO II, Papa João. Homilia Do Papa João Paulo II Na Celebração Da Palavra Na Esplanada Do Estádio «Serra Dourada» de Goiânia. Viagem Apostólica Ao Brasil. Terça-Feira, 15 De Outubro De 1991.


Livro dos relatórios mensais, ocorrências e comunicações a Cúria Diocesana. Registro datilografado pertencente ao acervo da Paróquia Divino Espírito Santo de Ipameri.


Paróquia Divino Espírito Santo. Jornal comemorativo do Sesquincentenário da Paróquia de Ipameri, 31 de julho de 1995.


Ipameri em notícias, Jornal de Ipameri, dezembro de 2002.


Revista da Arquidiocese de Goiânia, Volumes de 1964 a 1966.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

1.1 - A IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA



Esse texto faz parte da obra inédita, em vias de ser publicada, denominada "As terras do Divino Espírito Santo - História de fé e luta de um povo", Volume I, de minha autoria. O texto seguinte faz parte de seu 1º capítulo.

A IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA
Murah Rannier Peixoto Vaz
 
Simbolicamente, pode-se afirmar que a Igreja é como uma flor. Desejada pelo Pai, plantada pelo Filho, nutrida pelo Espírito Santo e cultivada pelos apóstolos. Essa flor é formada por diversas pétalas, unidas em um mesmo pendão, estabelecidas sob um mesmo caule, alicerçadas nas mesmas raízes. Cada pétala que se afasta das demais, leva consigo o seu brilho e parte da beleza da flor, que acaba ferida e desfigurada, mas continua viva, pois suas raízes e seu caule permanecem lhe fornecendo aquilo que é próprio da semente plantada. O mesmo não se pode dizer das pétalas separadas. Muitas não sobrevivem, as demais ficam privadas daquilo que lhe é próprio e acabam se alicerçando sob outras raízes. Cada um que se afasta não destrói a Igreja, mas deixa vazio o lugar que devia preencher nas paredes desse edifício espiritual que é a Igreja e, o qual, ninguém ocupará se o próprio não o ocupar.

Qual compreensão de si mesma tem a Igreja? De modo sintético, é isso o que esse texto abordará. A Igreja possui notas, ou seja, características próprias que lhe garantem ser a Igreja de Cristo. Essas quatro notas foram definidas, no ano de 381, no “Credo” Niceno-Constantinopolitano, estabelecido nos Concílios de Constantinopla e Nicéia, porém, já eram correntes. Encontradas anteriormente no “Credo” de Santo Epifânio e no de São Cirilo de Jerusalém (MYSTERIUM SALUTIS, 1975, p. 5).

De tal modo, a Igreja é Una por sua fonte, o Deus Uno e Trino, por vontade expressa de seu fundador, Jesus Cristo (Cf. Jo 17,21), que nos une com Deus, por meio do Espírito Santo de amor, alma da Igreja, que realiza a comunhão dos fiéis. Conclui-se que, ainda que formada pelos diversos membros, a Igreja forma um só corpo em harmonia, cuja cabeça é o Cristo. Essa unidade se dá internamente (em três aspectos: fé, sacramentos e comunhão hierárquica) e externamente (geograficamente e antropologicamente, ou seja, a totalidade dos homens, santos e pecadores, a caminho), já nos primórdios da Igreja ela aparece com ênfase e destaque: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma” (Cf. At 4, 32); A Igreja é Santa porque instituída por Jesus Cristo, aquele que é três vezes santo. N’Ele a Igreja é enxertada, tornando-se os membros de Seu corpo, e por Ele é constantemente nutrida pela Graça divina que a santifica e a faz sempre nova. Como nova vinha que substituiu a antiga[1] (Cf. Is 5,1-7; Mt 21,33-46), “seu crescimento não é fácil, ela é maltratada por repentinas fases de seca, de geada e de dolorosas podas, mas não podem faltar os frutos nos sarmentos inseridos na videira fundamental”[2]. Consequentemente, a Igreja vai além de uma mera instituição humana e realiza-se por obra do Espírito Santo. Quanto à essa santidade diz o Catecismo da Igreja Católica:

A Igreja é santa, mesmo tendo pecadores em seu seio, pois não possui outra vida senão a da graça: é vivendo de sua vida que seus membros se santificam; é subtraindo-se à vida dela que caem nos pecados e nas desordens que impedem a irradiação da santidade dela. É por isso que ela sofre e faz penitência por essas faltas, das quais tem o poder de curar seus filhos, pelo sangue de Cristo e pelo poder do Espírito Santo (CEC 827).

A Igreja é Católica porque possui um chamado universal, no sentido de integralidade e de totalidade (CEC 830). Ela é aberta a todos os povos, culturas e nações (Cf. At 2, 4), e, por isso, é chamada de Sacramento Universal da Salvação. Todo aquele que se salva se salva por meio dela[3]. Por isso, ela é chamada a se estender até os confins da terra; a “Igreja é Apostólica por ser fundada sobre os Apóstolos...” (CEC 857). A Igreja, cuja edificação permanece sob o alicerce dos apóstolos presididos por Pedro, continua a conservar e transmitir, com a orientação do Espírito Santo, o ensinamento de Cristo e de seus Apóstolos. Estes sucessivamente, por concessão do Romano Pontífice (Cf. At 1,15-26), transmitem o mandato de Cristo a novos Apóstolos (Colégio dos Bispos) e são presididos por Pedro, na pessoa do atual Papa[4], o Bispo de Roma, que possui uma sucessão direta do Apóstolo Pedro. Desse modo, a Igreja, “continua a ser ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos até a vinda de Cristo, graças aos que a eles sucedem na missão pastoral” (CEC 857).

A fundação da Igreja é de direito divino, pois foi fundada por Jesus Cristo, Deus que se fez homem. Assim, “a Igreja é humana porque Jesus é humano, ela é divina porque Jesus é divino” (SUGAI, 1996, p. 88). Portanto, Deus se fez homem para estar mais próximo dos homens. Ao assumir totalmente a condição humana restaurou a humanidade corrompida pelo pecado original e, mais do que isso, elevou-a a uma condição superior a anterior à queda. Dentro de seu plano de salvação, Jesus fundou a Igreja e a fez humana e divina. Desse modo, a hierarquia apostólica se fundamenta na vontade e no direito divino de Cristo. No início de seu ministério Jesus chamou doze para viverem em comunhão consigo e para estarem mais próximos de si, instituindo o Colégio Apostólico (Cf. Mc 3, 13-19; Lc 6, 13-16). De modo diverso, foram chamados outros setenta e dois discípulos (Cf. Lc 10, 1). Dentre o grupo dos doze, Cristo escolheu Simão, a quem chamou de Pedro (Cf. Mt 16, 18-19) e o pôs à frente de seu Colégio Apostólico. Sobre a mudança de um nome na Bíblia, Bourke faz a seguinte afirmação: “No pensamento semítico, o nome designava o que a pessoa era, e o recebimento de um novo nome indicava alguma mudança na pessoa que o recebia[5]” (2011, p. 694).

Pedro recebeu de Cristo o ofício de ser o pastor de um só povo e um só rebanho, apascentando e confirmando os irmãos na fé (Cf. Jo 21, 15 ss; Lc 22, 32)[6]. Cristo é o Pastor, a rocha, pedra angular rejeitada, mas transmite a Pedro a autoridade que o Pai lhe concedeu. A sucessão apostólica, por meio da contínua transmissão do múnus petrino de confirmar os irmãos na fé e a autoridade de ligar e desligar dada por Cristo (Cf. Mt 16,18-20), garante que a Igreja subsista através dos tempos, conforme a vontade de seu divino fundador, que prometeu permanecer conosco até o fim dos tempos (Cf. Mt 28,20). A missão dos Apóstolos é a missão de Cristo. Não por mérito pessoal, mas, “pela participação na graça de Cristo, os Apóstolos prolongam na história, até a consumação dos tempos, a mesma missão de salvação de Jesus em favor dos homens” (PDV, 2005, p. 39). Isso ocorre como continuidade do “corpo místico de Cristo” de onde recebemos todos os seus méritos:

Não existe salvação sem a Igreja. Todos os homens podem ser salvos pela Igreja, ou na Igreja. Através da Igreja quando, desconhecendo a Igreja, vivem de acordo com a retidão de suas consciências; na Igreja quando, conhecendo a Igreja, buscam as graças de salvação deixadas na Igreja por Jesus Cristo (SUGAI, 1996, p. 88).

 

Desde os primórdios do cristianismo, a Igreja de Roma presidia as demais na caridade. Em nenhum outro lugar do mundo foram mortos tantos cristãos. Além de todos os outros cristãos, foi ali que Pedro e Paulo, as colunas da Igreja, levaram a termo a sua fé, sendo martirizados. Em Roma está o túmulo de Pedro, que foi crucificado como seu divino mestre. Em Roma foi plantada a pedra sob a qual Cristo fundou sua Igreja. Nessa cidade foi eleito Lino, o primeiro sucessor de Pedro. Por esses motivos, permanece em Roma a Cátedra de Pedro.

Resumindo o que é a Igreja, podemos dizer como Bruno Forte: “A Igreja provém da Trindade, é estruturada à imagem da Trindade e ruma para o acabamento Trinitário da história” (2005, p. 9). Ou seja, “vinda do alto (oriens ex alto), plasmada pelo alto  e rumo ao alto (“Regnum Dei praesens in mistério”, LG 3), a Igreja não se reduz às coordenadas da história, do visível e do disponível” (FORTE, 2005, p. 9). Finalizando, podemos dizer que a Igreja surgiu do mistério divino, caminha como mistério na Igreja, Sacramento da comunhão dos homens, com seu divino fundador, para alcançar seu destino: a consumação escatológica.

Por tudo isso, acreditar na Igreja Católica significa crer no projeto de salvação para a humanidade, estabelecido pela própria Trindade; acreditar na Igreja significa confiar em Jesus Cristo e em sua promessa de que enviaria o Espírito Santo que a manteria na Verdade e regeria essa instituição, fundada por Cristo e jamais desamparada (Cf. Jo 16, 12-13), para levá-la ao encontro do Pai.




[1] A vinha é símbolo do povo de Israel (Jer 2, 21), Deus promete uma nova vinha (Is 27, 2-6).
[2] Missal Dominal, São Paulo: Paulus, 1995, p. 415.
[3] Mesmo aqueles que não estejam em plena comunhão com a mesma, mas vivam a unidade pelo batismo e pela Palavra, pois o Espírito Santo sopra como lhe apraz, ele não se limita às fronteiras da Igreja, todavia, a Igreja foi o meio, isto é, o instrumento concreto e seguro que o Senhor nos deixou para nossa salvação.
[4] Bento XVI é o 266º Papa e o 265º sucessor de Pedro.
[5] O mesmo aconteceu com outros personagens bíblicos bem conhecidos, entre eles: Abrão – Abraão e Oséias – Josué
[6] O Bispo de Roma sucede a Pedro nominalmente e os Bispos, por ele legitimamente aprovados, sucedem aos Apóstolos colegialmente.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

167 anos da criação da Paróquia de Ipameri


Vídeo que foi elaborado para a comemoração dos 167 anos da criação da Paróquia de Ipameri:


AULA DE DIREITO


Uma manhã, quando nosso novo professor de "Introdução ao Direito" entrou na sala, a primeira coisa que fez foi perguntar o nome a um aluno que estava sentado na primeira fila:
- Como te chamas?
- Chamo-me Juan, senhor.
- Saia de minha aula e não quero que voltes nunca mais! - gritou o desagradável professor.
Juan estava desconcertado. Quando voltou a si, levantou-se rapidamente, recolheu suas coisas e saiu da sala. Todos estavam assustados e indignados, porém, ninguém falou nada.
- Agora sim! - e perguntou o professor - para que servem as leis?...
Seguíamos assustados, porém, pouco a pouco começamos a responder à sua pergunta:
- Para que haja uma ordem em nossa sociedade.
- Não! - respondia o professor.
- Para cumpri-las.
- Não!
- Para que as pessoas erradas paguem por seus atos.
- Não!!
- Será que ninguém sabe responder a esta pergunta?!
- Para que haja justiça - falou timidamente uma garota.
- Até que enfim! É isso... para que haja justiça. E agora, para que serve a justiça?
Todos começavam a ficar incomodados pela atitude tão grosseira. Porém, seguíamos respondendo:
- Para salvaguardar os direitos humanos...
- Bem, que mais? - perguntava o professor.
- Para diferençar o certo do errado...  Para premiar a quem faz o bem...
- Ok, não está mal, porém... respondam a esta pergunta: agi corretamente ao expulsar Juan da sala de aula?...
Todos ficaram calados, ninguém respondia.
- Quero uma resposta decidida e unânime!

- Não!! - respondemos todos a uma só voz.
- Poderia dizer-se que cometi uma injustiça?
- Sim!!!
- E por que ninguém fez nada a respeito? Para que queremos leis e regras se não dispomos da vontade necessária para pratica-las?
- Cada um de vocês tem a obrigação de reclamar quando presenciar uma injustiça. Todos. Não voltem a ficar calados, nunca mais!
- Vá buscar o Juan - disse, olhando-me fixamente.
Naquele dia recebi a lição mais prática no meu curso de Direito.
Quando não defendemos nossos direitos perdemos a dignidade e a dignidade não se negocia.

terça-feira, 26 de junho de 2012

O filme Bella, o aborto e a cultura da morte

Ivanaldo Santos, doutor em filosofia, fala sobre o filme Bella - Por Tarcisio Siqueira e edição de Thácio Siqueira.

BRASILIA, segunda-feira, 25 de junho de 2012 (ZENIT.org) – ZENIT entrevistou o Dr. Ivanaldo Santos sobre o filme Bella, um filme que promove a vida e que venceu o Festival de Toronto, no Canadá.

O Dr. Ivanaldo Santos é filósofo, pesquisador e professor universitário. Publicou mais de 70 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais e tem 8 livros publicados.
Publicamos a entrevista na íntegra:

***
ZENIT: Qual é a grande mensagem do filme Bella, vencedor do Festival de Filme de Toronto, no Canadá, em 2006?
IVANALDO SANTOS: Numa primeira leitura trata-se de um filme que fala do fracasso. O filme apresenta o encontro de um jovem casal: José e Nina. José é representado pelo ator Eduardo Verástegui e trata-se de um astro internacional de futebol que, por lesões físicas, fica sem poder jogar e perde a fama e o dinheiro. Ele termina sendo o cozinheiro no restaurante de comida mexicana do seu irmão. Por sua vez, Nina, representada pela atriz Tammy Blanchard, é uma jovem pobre que trabalha de garçonete no restaurante em que José é o cozinheiro. Ela descobre que está grávida e que o pai da criança não deseja assumir a ambos, Nina e seu filho. Numa leitura que podemos dizer “contemporânea” poderia se dizer que Nina tem uma “gravidez indesejada”. Aparentemente são duas histórias de fracasso que se encontram. No entanto, numa segunda leitura, uma leitura analítica e crítica, é possível afirmar que o filme trata do valor e da importância da vida e da família. José poderia ter se entregado às drogas e ao álcool, Nina poderia ter feito um aborto, coisa que, no filme, é aconselhado. Vale salientar que drogas e aborto são apresentados, em vários ambientes sociais, como sendo elementos de libertação do ser humano. O casal José e Nina descobrem que acima das drogas, do aborto e de qualquer outra “facilidade” da sociedade atual estão a vida e a família. Trata-se de uma descoberta surpreendente que emociona o telespectador. Com isso, a grande mensagem do filme é que vale a pena investir na vida e na família. Mesmo que os valores sociais digam que a família está morta, que não tem mais valor, ela é o núcleo onde o indivíduo sempre encontrou o refúgio e a felicidade.

ZENIT: é possível fazer uma relação entre o filme Bella e a cultura da morte?
IVANALDO SANTOS: Sim é possível. O filme apresenta os valores da cultura da morte (aborto, negação da família, individualismo e outros) de forma bem natural, da mesma forma que um cidadão comum vê em seu cotidiano. O filme não faz apologia da cultura da morte. Pelo contrário é uma das maiores críticas que essa cultura sofreu nos últimos anos, mas apresenta como os cidadãos, no dia-a-dia, tem acesso aos contra valores da cultura da morte. Por exemplo, o filme apresenta o individualismo, a busca cega por dinheiro, e como as pessoas e especialmente as mulheres são induzidas e enganadas para realizarem o aborto. Na sociedade contemporânea poucos são os espaços onde se falam do valor da vida, da família, de ter filhos. Geralmente as pessoas são educadas para viverem uma vida selvagem, para ganharem muito dinheiro, qualquer gravidez é logo rotulada de “indesejada” e, por conseguinte, recomenda-se, como se fosse natural, a prática do aborto. Tudo isso o telespectador poderá ver no filme Bella. Nesse sentido o filme é realista. É uma espécie de “raio X” da sociedade contemporânea.

ZENIT: O filme Bella tem recebido grandes elogios por parte da crítica especializada. Apesar disso nota-se certo boicote por parte da grande mídia. Por que isso acontece?
IVANALDO SANTOS: É possível apontar quatro motivos para esse boicote. O primeiro é o fato do filme não ser de guerra e/ou de sexo. A grande mídia (TV e cinema) trabalha essencialmente com elementos que dão lucro fácil e audiência quase que automática. Um filme como Bella, que fala do valor da vida e da família, que não tem nudez, que não tem longas séries de tiroteios e mortes sangrentas, não atrai a atenção da grande mídia.
O segundo motivo é que o filme não faz apologia do aborto e de outros contra valores que atualmente são apresentados como libertários e terapêuticos. É preciso ver que a grande mídia, em certo sentido, está dominada e é controlada, se não em sua totalidade, pelo menos em sua maioria, pela cultura da morte. A luta pelo lucro e pela audiência torna a grande mídia susceptível ao dinheiro rápido e fácil que vem da “indústria da morte”, ou seja, a “indústria” que oferece a morte como produto a ser consumido. Entre esses produtos estão a violência, o abandono da família, o aborto, a eutanásia, as drogas e o infanticídio.

O terceiro é a teoria neomalthusiana. No século XIX o malthusianismo pregava que o crescimento populacional se daria em progressão geométrica, enquanto os recursos humanos cresceriam em progressão aritmética. Deste modo, em poucas décadas, haveria uma completa escassez de recursos no planeta. A solução apontada foi a do controle da natalidade. No início do século XXI essa mesma teoria malthusiana volta a estar de moda. É o neomalthusianismo. Desta vez ela vem disfarçada com uma nova roupa, a do “ecologismo”, e com traços apocalípticos – como se o homem fosse o único mal da terra e esta estivesse a ponto de ser destruída. Como esclarece o Padre Helio Luciano, em recente entrevista concedida a agência de informação Zenit, chegamos à geração “Avatar” –que exalta a ecologia ao mesmo tempo em que mata seus próprios filhos. O problema é que neomalthusianismo faz muito sucesso na grande mídia. Criou-se uma espécie de lugar comum que diz que repórter “moderno” e “esclarecido” prega abertamente o discurso apocalítico do neomalthusianismo. Um discurso de controle da natalidade. Só para se ter uma ideia do problema, recentemente uma grande rede de TV no Brasil fez uma série de matérias alarmistas dizendo que o planeta Terra está lotada que não cabe mais ninguém. Essa série de matérias chegou ao ponto de elogiar o rígido controle da natalidade realizado na China. Um controle que pune os indivíduos com pesadas multas, com a prisão, tortura e até mesmo a morte. Num contexto como esse, um filme como Bella não atrai a atenção da grande mídia.

O quarto e último motivo é a falta de mobilização, de cobrança por parte dos movimentos pró-vidas e pró-família. É comum os movimentos pró-vidas e pró-família criticarem a programação alienante e favorável a cultura da morte que é exibida na TV e nos cinemas. Essa é uma cobrança importante que precisa ser aprofundada. No entanto, não se pode apenas ficar criticando a grande mídia. É preciso trabalhar junto com ela. É preciso conquistar a confiança da grande mídia. Uma das formas é lutar, até mesmo com aporte financeiro, para que canais de TVs passem a exibir, em sua programação normal, filmes e programas com conteúdo pró-vida e pró-família. O filme Bella é um ótimo produto midiático para ser oferecido às redes de TVs. É preciso ter coragem, ser audacioso. É preciso aproveitar o grande sucesso do filme Bella para negociar com as redes de cinema e TV uma programação mais voltada para a vida e a família.

ZENIT: Qual a relação entre o filme Bella e a cultura da vida, de valorização da família?
IVANALDO SANTOS: Pode-se dizer que há uma relação de 100% de proximidade. O filme não segue o esquema proposto pela cultura da morte, ou seja, moça pobre, trabalha de garçonete em um restaurante, descobre que está grávida e, por causa desses fatores, faz um aborto. É preciso recordar que atualmente, devido à grande influência do neomalthusianismo, tenta-se criar um lugar comum que diz que toda moça pobre tem que abortar. É como se os pobres não tivessem responsabilidade e condições morais de ter e criarem seus próprios filhos. Esse tipo de discurso é altamente discriminador e concede grandes benefícios aos ricos e à classe média. Em um mundo onde se fala tanto em inclusão social o filme Bella é um exemplo de inclusão, pois promove a inclusão do feto, do nascituro, justamente o grande excluído da propaganda midiática, das políticas do governo e da agenda das Organizações Não Governamentais (ONGs). Além disso, o filme inclui a família, berço de toda a dignidade humana. Logo a família tão desprestigiada em nossos dias. Trata-se de um filme que não pode ser colocado na categoria de “conto de fadas”, mas é um filme que valoriza a família, a vida e a natalidade. São valores eternos e que precisam estar no centro dos debates da mídia, do governo e da Igreja.

ZENIT: O que dizer para alguém que não assistiu ao filme Bella?
IVANALDO SANTOS: Inicialmente é preciso ter convicção que dificilmente o filme vai passar na TV em horário nobre. A não ser que algum milionário, algum mecenas, pague a exibição. Partindo desse pressuposto, afirma-se que o filme Bella precisa ser visto por todas as pessoas. Sejam elas jovens, velhos, solteiros, casados, pessoas que abortaram ou que pensam em abortar. É um filme muito realista. As cenas e diálogos do filme podem ser encontradas, de forma real, na maioria de nossas cidades. Por isso, é preciso que todo mundo se esforce para ver e divulgar o filme. As pessoas devem adquirir o DVD com o filme e assisti-lo em casa ou no trabalho com os parentes e amigos. A Igreja deve fazer todo o esforço possível para difundir o filme Bella. Vamos exibir o filme nas paróquias, capelas, nas escolas e demais lugares que estejam sob administração da Igreja. O filme Bella trata-se de um dos melhores presentes que o cinema deu à cultura da vida e à valorização da dignidade da pessoa humana. Temos que lutar para que ele seja assistido pelo maior número de pessoas possíveis.

Para contatos email: ivaanldosantos@yahoo.com.br

sábado, 23 de junho de 2012

Aprovar o aborto seria um retrocesso jurídico na nossa sociedade (Parte II)

Entrevista com especialista em bioética, Pe. Helio Luciano

Por Thácio Siqueira

BRASILIA, sexta-feira, 22 de junho de 2012 (ZENIT.org) – Ontem publicamos a primeira parte da entrevista que o Pe. Helio concedeu a ZENIT com o fim de ajudar os católicos do Brasil a refletirem sobre o tema do Aborto, que está em pauta para aprovação no nosso país.

O Pe. Helio Luciano é mestre em bioética pela Universidade de Navarra, mestre em Teologia Moral pela Pontificia Universidade Santa Cruz em Roma e membro da comissão de bioética da CNBB.

 
Publicamos hoje a segunda e última parte da entrevista.
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ZENIT: O embrião é uma pessoa humana? O que é que comprova isso? E por que ele teria todos os direitos fundamentais de um ser humano, incluindo o direito à vida?

 
PE. HELIO: A resposta que dou a esta pergunta, que frequentemente se repete, é sempre a mesma: não importa se o embrião é pessoa humana ou não. À primeira vista tal resposta pode parecer polêmica ou até agressiva – mas asseguro que esta não é a minha intenção. A questão é que “ser pessoa” ou “não ser pessoa” é um problema filosófico e jamais poderá ser provado em âmbito científico-positivo. Mas a discussão em relação ao aborto não é uma questão de filosofia, mas de biologia básica.

O que temos, desde a fecundação, independente se é pessoa ou não, é um novo ser humano. Como já dizíamos – temos um novo indivíduo da espécie homo sapiens sapiens, com um DNA único e irrepetível em toda a história da humanidade. Sendo um ser vivo da espécie humana, tem todo o direito de ser respeitado como qualquer outro ser humano. Nas aproximadamente quarenta semanas em que este novo ser humano costuma permanecer dentro do ventre materno, não existe nenhum salto quantitativo ou qualitativo que possa dizer que tenha sofrido uma mudança substancial. Todas as capacidades humanas adquiridas por aquele novo ser, têm como base aquele momento inicial – ou seja, aquela única célula fecundada, que já era um ser humano.
A maioria dos defensores do aborto, hoje, costuma admitir as evidências científicas que comprovam que a partir da fecundação temos um novo ser humano. O que objetam é que este ser humano ainda não seria uma “pessoa humana”. A partir desse pressuposto, as divergências entre os abortistas são grandes. Alguns dirão que este ser humano se tornará “pessoa humana” a partir da formação da placenta, outros dirão que a partir da formação do coração, outros defendem que a personalidade se forma com o sistema nervoso central e por fim, existem os que defendem que se torna “pessoa humana” somente após o nascimento. Estes últimos chegam a defender o que se chama partial-birth abortion, ou seja, “aborto do parcialmente nascido”. Em tal procedimento, assim que se dá o coroamento (coroamento é a aparição da cabeça do feto durante o trabalho de parto), faz-se a sucção do cérebro da criança – certamente aqui se trata de um claro infanticídio.

 
Todas as tentativas de colocar esse início da “personalidade” em algum momento concreto do desenvolvimento embrionário ou fetal serão sempre arbitrárias. Se colocarmos o início da “personalidade” em alguma função ou órgão, porque não poderíamos dizer que está no começo do exercício da consciência? Alguns autores já afirmam isso e, consequentemente, defendem que o infanticídio – matar crianças que não tenham o exercício de atividade consciente – é moralmente e eticamente válido, pois não seriam “pessoas humanas”.

 
Por essas discussões é que afirmo que não importa a partir de quando aquele ser humano se tornará pessoa. O importante é que se trata de um ser humano, e que merece todo o respeito e proteção que devemos a qualquer outro ser humano, independente das funções que possa exercer.

 
ZENIT: Quais são as tragédias que o aborto traz para uma nação que o aprova na sua legislação?
PE. HELIO: A tragédia mais profunda é a instituição de uma “cultura de morte”, que não respeita o sofrimento das mães – muitas são quase induzidas socialmente ou economicamente a realizar o aborto – e nem o direito básico dos próprios cidadãos mais indefesos, aqueles que ainda estão por nascer. É irônico que tais sociedades possuem legislações bastante rigorosas para a defesa de embriões animais, enquanto os seres humanos estão totalmente indefesos. Hoje é mais seguro nascer feto de baleia do que feto humano.

Derivada desta “cultura de morte” nasce uma atitude de egoísmo generalizado – o importante não é mais o “bem comum” da sociedade, mas o individualismo, o bem de cada um. Deixamos de viver em sociedade como modo de nos aperfeiçoarmos como seres humanos sociais que somos, para converter-nos, como dizia Hobbes, em lobos para os outros lobos.

O processo de degradação da sociedade – em todos os pontos de vista – também é uma consequência da chamada “cultura de morte”. Se o Direito, base da civilização ocidental, perde sua raiz profunda que o justifica – ou seja, a natureza humana e a defesa do mais débil – a civilização toda se ressente. A crise – social, econômica, moral – da sociedade atual não é mera coincidência. Será mera coincidência que os países com menor taxa de nascimento e maior índice de aborto – Grécia, Portugal, Espanha e Itália – são aqueles com maior crise econômica?

Historicamente, toda a civilização que desrespeitou os valores básicos do ser humano, entrou em decadência e desapareceu. O exemplo mais claro foi a degradação do Império Romano – quando deixou de velar pelos valores básicos, tornando-se meramente “populista”, ampliou seu domínio físico, mas perdeu sua força moral. Não foi a invasão dos chamados “povos bárbaros” o que acabou com Roma – este foi só o golpe final que fez cair o que por dentro já estava moralmente destruído.

ZENIT: O senhor já se encontrou com católicos que aprovam o aborto? Eles podem ser considerados pessoas que estão fora da doutrina e da moral católicas?

PE. HELIO: A Igreja é uma realidade divina, mas que também possui leis e autoridades que devem ser respeitadas. Assim como eu não posso, simplesmente, declarar-me membro da Academia Brasileira de Letras – porque é necessário uma série de requisitos para pertencer a esta Academia – ninguém pode por si mesmo, sem cumprir certos requisitos, ser declarado um membro da Igreja. Deste modo, católicos de fato que defendam o aborto não existem e não podem existir. Se alguém defende o aborto, jamais poderá ser considerado um membro da Igreja, ou seja, não pode participar do Corpo de Cristo.

Por outro lado é um fato que existem grupos de pessoas que se dizem católicas – mas não o são de fato – e que ao mesmo tempo defendem o aborto. Quem sabe o grupo mais expressivo seja aquele que se autodenomina “Católicas pelo direito de decidir”. Certamente os membros deste grupo não são de fato católicos, pois defendem algo absolutamente contrário à própria humanidade – o direito de matar um inocente. É verdade, como já dissemos antes, que a liberdade é um bem, mas não é um bem absoluto. Este bem – o da liberdade – está por debaixo do direito mais elementar de todos, o direito à vida, o bem maior defendido pelo Direito.

Neste sentido, por que não criamos grupos como “Católicos pelo direito de assassinar”, ou “Católicos pelo direito de roubar”. Certamente é uma ironia, mas, às vezes, esta se faz necessária para entender o quão absurdo são os argumentos. Assassinar ou roubar também são atos de liberdade, mas nem por isso alguém pode defender esta liberdade como um valor – pois lesaria valores mais altos, o da vida e o direito à propriedade privada. Do mesmo modo quem defende uma liberdade para matar uma criança dentro do ventre materno, lesa o direito à vida desta criança e, deste modo, não tem o direito de reclamar tal liberdade.

ZENIT: Por que o aborto traz uma das penas canônicas mais sérias do direito canônico, segundo o cânon 1398?

PE. HELIO: Dizíamos, em outro ponto da entrevista, que o Direito tem um fundamento natural, ou seja, expressa o verdadeiro modo de ser da humanidade. O Direito da Igreja, chamado “Direito Canônico”, também tem a mesma raiz natural, além, também, de regular matérias que conhecemos por Revelação.

Desde um ponto de vista natural, como víamos antes, trata-se de um crime hediondo: não apenas se está matando a um ser humano inocente e indefeso, mas se está matando o próprio filho na fase da vida que ele mais necessitava da proteção dos pais. Desde um ponto de vista sobrenatural, baseado na Revelação divina, é algo ainda mais grave – o assassinato de um filho de Deus que tinha sido confiado a estes pais.

As penas no Direito – seja civil ou canônico – sempre devem ter um caráter de proteger um bem, ou seja, de evitar um crime, além do caráter medicinal. Falando em relação ao Direito civil, alguns acusam os católicos de serem desumanos quando pedem a punição da mulher que realiza o aborto. A punição existe para prevenir o crime, ou seja, em defesa da vida do indefeso. Despenalizando o aborto perdemos esta proteção importante para a vida do mais débil. Além disso, na maioria das vezes, a mulher que realiza o aborto é a menos culpada deste ato – normalmente ela está em meio a um conjunto de pressões sociais, sentimentais e econômicas. Os principais culpados – e consequentemente os que deveriam ser mais duramente punidos – são aqueles que induzem e realizam o ato ilegal e imoral do aborto.

Em relação ao Direito Canônico, para que se entenda a gravidade da ofensa ao próximo – sendo este “próximo” o próprio filho – e, consequentemente, a gravidade da ofensa a Deus, é reservada a este pecado a pena da excomunhão latae sententiae. Certamente a palavra excomunhão soa forte aos ouvidos da opinião pública e de fato é a pena mais severa da Igreja – desligar um membro da comunhão com a Igreja. Com latae sententiae se indica que a excomunhão é automática, ou seja, quem comete ou induz alguém a cometer um aborto ou participa da execução do mesmo, automaticamente está excluído da comunhão com a Igreja e, consequentemente, com o Corpo de Cristo.

Ainda sendo a pena mais grave da Igreja, a pena de excomunhão não condiz com o aquilo que o imaginário popular interpreta por excomunhão. Trata-se, como foi dito, de uma pena preventiva, educativa e medicinal. Em primeiro lugar, sendo uma pena tão grave, só recai nela quem cometeu com certeza um aborto – se alguém realiza uma tentativa de aborto sem “êxito”, comete um pecado grave, mas não é excomungado. Também só é excomungado quem sabia, ainda que imperfeitamente, da existência de uma pena especial. Além disso, as pessoas que cometeram, induziram ou participaram de um aborto – e consequentemente estão excomungadas – podem pedir e receber o perdão pelo pecado cometido e o levantamento da pena de excomunhão. Cada diocese possui alguns sacerdotes – em algumas dioceses todos os sacerdotes – habilitados para levantar esta pena, dando logicamente alguma penitência especial, para que se entenda a gravidade do pecado cometido. Normalmente a maior penitência para uma mãe que cometeu aborto é o sofrimento que carrega – por toda a vida – por sentir a culpa de ter matado seu próprio filho.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Aprovar o aborto seria um retrocesso para o Brasil (Parte I)

Entrevista com especialista em bioética, Pe. Helio Luciano

Por Thácio Siqueira

BRASILIA, quinta-feira, 21 de junho de 2012 (ZENIT.org) - De forma muitas vezes velada o Aborto tem sido introduzido em diversos países com raízes cristãs. Introduzido como prática legal e até mesmo financiado pelos governos e por grandes fundações internacionais.


No dia 18 de abril desse ano o Pe. Helio nos concedeu uma entrevista sobre as causas da aprovação do aborto de anencéfalos pelo STF no Brasil. Para ler essa entrevista clique aqui.



Dessa vez, para continuar ajudando os católicos do Brasil a refletirem sobre o tema, o Pe. Helio Luciano, mestre em bioética pela Universidade de Navarra, mestre em Teologia Moral pela Pontificia Universidade Santa Cruz em Roma e membro da comissão de bioética da CNBB, concedeu a ZENIT mais uma entrevista para esclarecer alguns pontos em relação ao aborto e ao perigo da aprovação do aborto numa nação.


Hoje publicamos a primeira parte dessa entrevista.

 

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ZENIT: Por que o aborto não deve ser legalizado no Brasil e em nenhum país? Os defensores da causa abortista alegam que a aprovação do aborto numa nação é sinal de progresso e desenvolvimento. Realmente é assim? A visão da Igreja católica não é uma visão redutiva da realidade?


PE. HELIO: O Direito nasceu – historicamente – para defender o mais fraco. Por exemplo; se um indivíduo tivesse várias posses materiais poderia vir a pressionar – através da ameaça ou outros meios coercitivos – um pobre a vender a sua terra. O Direito, na raiz da civilização, surge para defender a esse pobre que não poderia defender-se por si mesmo. Além disso, o Direito possui uma raiz natural, ou seja, deve respeitar a natureza e a verdade das realidades que regula – no exemplo citado anteriormente, podemos ver que a base natural é o direito que todos possuem à propriedade privada e o direito básico de uma pessoa ter o mínimo para sua sobrevivência.

 

Aprovar o aborto, ou despenalizá-lo, seria um retrocesso jurídico da nossa sociedade e, consequentemente, um retrocesso da nossa civilização – negaríamos a mesma raiz do Direito, ou seja, a sua base natural e a defesa do mais fraco.



Cientificamente, hordiernamente, ninguém pode duvidar que um embrião humano seja um ser humano – com um DNA humano único e irrepetível. É uma clara evidência científica – se pegamos uma célula deste embrião podemos afirmar claramente que é um indivíduo da espécie Homo sapiens sapiens.


O que se coloca em jogo, então, não é a possibilidade de eliminar algo que não seria uma vida humana, mas sim o conflito entre duas liberdades – a do embrião e àquela da mãe. É verdade que pode haver este conflito – e que, muitas vezes, existe de fato – mas, como víamos antes, a quem o Direito está chamado a defender? A vida de um ser inocente e indefeso ou a liberdade de uma mulher que não quer conceber este indivíduo (gerado por ela)? Quem é o mais débil, o mais fraco? Qual o bem maior – a vida de um ser, base de todos os demais direitos ou a liberdade de outro? Certamente o Direito – tal como foi concebido, com base em uma raiz natural – deveria defender aqui o direito básico à vida.

 

Que as nações chamadas de “Primeiro Mundo” tenham cometido este retrocesso civilizatório e jurídico não converte o aborto em sinal de progresso. É mais, seria um claro sinal de retrocesso. Há países na Europa cujo número de crianças abortadas supera o número de crianças nascidas. Falando só desde o ponto de vista econômico, não é esta uma das causas da crise europeia? Falta população que gere consumo interno, gerando produção e gerando emprego.

 

A “cultura de morte” jamais gerou progresso. Gera egoísmo, falta de doação, falta de caridade. Que sociedade é essa “civilizada” que considera os filhos não como um bem, mas como um mero problema a ser eliminado? Que sociedade civilizada é essa que mata aos seus próprios filhos, cidadãos e membros desta mesma sociedade?


Para evitar este retrocesso em todos os sentidos – humanista, moral, ético, jurídico, social – é que o aborto não deveria ser aprovado no Brasil e em nenhum lugar do mundo.

 

Por fim, a Igreja sempre foi e continua sendo mestra de humanidade. Certamente não está sendo redutiva neste ponto, mas está pedindo à humanidade que venha a ser humana de fato. Está pedindo que respeitemos o mais básico dos direitos – aquele da vida de um ser inocente. O reducionismo não é da Igreja, mas sim deste grupo de pessoas que se sentem iluminadas, que – com um alto grau de miopia – enxergam o retrocesso como progresso, enxergam o assassinato como liberdade.


ZENIT- A resposta da Igreja Católica a favor da vida do nascituro é uma resposta somente baseada na Sagrada Escritura, como pensam alguns?


PE. HELIO: Deus revelou muitas verdades aos homens, e muitas delas através da Sagrada Escritura. Dentre essas verdades reveladas, podemos dizer que existem dois tipos: as verdades totalmente sobrenaturais, que o homem jamais seria capaz de alcançar com suas próprias forças, como, por exemplo, a verdade de que Deus é Uno e Trino, ou a entrega de Cristo na Eucaristia. Esse tipo de verdade, logicamente, exige a fé. Por outro lado Deus também revelou algumas verdades de ordem natural, ou seja, verdades que o homem seria capaz de alcançar com suas próprias forças. Neste sentido, podemos dizer que somos ajudados a alcançar e entender essas verdades básicas. Porém, se alguém não tem fé ou não conhece a Sagrada Escritura, também é capaz de alcançar tais verdades.


Uma dessas verdades naturais – que qualquer pessoa com o uso de razão é capaz de alcançar – é a proibição de matar a um inocente. Culturas não católicas e não cristãs são capazes de entender essa obrigação humana. Países como o Japão, por exemplo – sem influxo cristão – possui legislação que defende a vida do inocente.


Portanto a questão da defesa da vida do embrião ou do feto não é um tema religioso. É uma questão de humanidade. Neste sentido, poderá de fato um dia haver leis contrárias à defesa da vida, mas jamais serão verdadeiras leis, porque serão contrárias ao próprio modo de ser do homem.

 

ZENIT- Outro dos argumentos usados em favor do aborto é o crescimento demográfico, que, segundo alguns, é algo que ameaça a vida do planeta. É válido esse argumento?


PE. HELIO: As teorias malthusianas parecem ter entrado de tal modo na cultura mundial, que se dá por suposto algo que, comprovadamente, é falso. Nestas teorias – que tiveram tanto êxito nos séculos XIX e XX – se dizia que o crescimento populacional se daria em progressão geométrica, enquanto os recursos humanos cresceriam em progressão aritmética. Deste modo, em poucas décadas, haveria uma completa escassez de recursos no planeta.


A mesma teoria malthusiana agora volta a estar de moda. Desta vez ela vem disfarçada com uma nova roupa, a do “ecologismo”, e com traços apocalípticos – como se o homem fosse o único mal da terra e esta estivesse a ponto de ser destruída. Chegamos à geração “Avatar” – que exalta a ecologia ao mesmo tempo em que mata seus próprios filhos. É verdade que não podemos desrespeitar o mundo que nos foi dado, é verdade também que temos um dever de justiça de deixar o mundo para as gerações futuras, mas é fundamental entender que o mundo está em função do homem – para ser utilizado racionalmente e com respeito.


A grande escassez de recursos anunciada por Malthus jamais se cumpriu. Os avanços na agricultura – desde a invenção do trator até as altas tecnologias utilizadas para as sementes – aumentaram a produção agrícola de modo vertiginoso e muito maior que qualquer previsão. As terras cultivadas hoje – segundo dados do Banco Mundial e da ONU – chegam somente a 24% do total de terras que ainda podem ser cultivadas no mundo. Além disso, as novas tecnologias constantemente permitem que terras consideradas inférteis sejam passíveis de cultivo – como, por exemplo, muitos hectares de terras antes consideradas desérticas em Israel. O fato de que ainda exista fome no mundo não se dá pelo excesso de população, mas sim pela ganância de poucos.


Com base em tudo que foi visto, é lógico que considerar o crescimento demográfico como uma ameaça à vida do planeta é uma teoria ultrapassada e absolutamente sem nenhuma evidência científica. O controle de natalidade – muitas vezes desrespeitando a própria liberdade da mulher através de esterilizações forçadas – antes de ser uma solução para o respeito ao meio ambiente, é uma das causas da crise. O aborto, como forma de controlar o crescimento demográfico, traz uma “cultura de morte” incompatível com o próprio modo de ser da humanidade. Como podemos querer respeitar o planeta se não somos capazes nem mesmo de respeitar aos nossos filhos?