sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

VIVENDO O TEMPO DA GRAÇA



Por Murah Rannier Peixoto Vaz.

Na última quinta-feira muito se propalou e alardeou acerca do pronunciamento do Papa Bento XVI, realizado no dia anterior. Para compreendê-lo, devemos notar o contexto da homília de Bento XVI, o tempo litúrgico que estamos vivenciando e as leituras daquela quarta-feira de cinzas (Jl 2, 12-18; Sl 50; 2 Cor 20, 6-12; Mt 6, 1-6.16-18), início da quaresma, tempo forte de oração, jejum e caridade, tempo de recolhimento e de conversão. Com o dizia a fórmula de imposição das cinzas naquele dia: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15).

Para a Igreja Católica, a conversão é contínua, todos os dias é tempo de conversão. O esposo (Cristo) sempre se volta para a sua esposa (Igreja) a fim de santificá-la, renová-la, purificá-la e apresentá-la “a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5, 25-28). No entanto, de modo especial, nesse período quaresmal é um momento de sinalizar de modo mais concreto e objetivo, como tempo propício, verdadeiro kairós, tempo da graça, para todos e cada um de seus fieis, membros do corpo que é a Igreja, cuja cabeça é o Cristo.

A Igreja é santa porque querida e desejada pelo Pai, instituída/fundada pelo Filho (Mt 16, 18) e guiada pelo Espírito Santo (Jo 16, 13) que a mantém na verdade, renova-a, e a impulsiona. Todavia, a Igreja em seu seio é formada por homens e mulheres santos e pecadores, homens e mulheres com virtudes e vícios, que, às vezes, em alguns momentos se fecham à voz e à ação do Espírito Santo. Em alguns momentos os pecados dos homens que formam a Igreja mancharam a sua história, mas nem mesmo eles foram capazes de manchar a esposa de Cristo, não foram capazes de afundar a “barca de Pedro”, pois o próprio Cristo prometeu estar com sua Igreja até o fim dos tempos (Mt 28, 20).

Esses homens e mulheres limitados e pecadores não foram, e jamais serão, capazes de destruir a videira verdadeira (Jo 15, 1-2), pois o Pai continuamente a corta para tirar dela aqueles ramos que não produzem frutos, mas aqueles que produzem frutos Ele os poda para que produzam ainda mais fruto. A seiva da videira é o Espírito Santo, permanecer na videira significa permanecer em Cristo e em sua graça, ou seja, permanecer a frutificar. O corpo do Cristo que é a Igreja não foi abandonado, Cristo não decepou a si mesmo, nem abandonou ou desonrou a sua esposa (Igreja) pondo outra em seu lugar. Confiamos naquele que nos chamou: “Vem e segue-me” (Mc 10, 21), e cremos na Palavra daquele que trocou o nome de Simão, o pescador filho de Jonas, e disse: “eu te digo que és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nunca prevalecerão sobre ela” (Mt 16, 18).

Nessa última quarta-feira de cinzas, 13 de fevereiro, Bento XVI foi um verdadeiro profeta e bradou para que pudéssemos ouvir em clara voz, mostrando-nos de que somos sempre necessitados de penitência e sincera conversão, mostrando-nos de que não podemos nos encerrar em nós mesmos, arrogantemente e presunçosamente, em uma falsa confiança de que já estamos bem, perfeitos em nossa caminhada de fé e salvos desde já. Não, longe disto, a salvação é dada por Cristo, mas deve ser conquistada e isso envolve nossa resposta pessoal. Estamos a caminho, em algumas horas corremos rumo à meta, noutras paramos e ficamos estagnados. Infelizmente, em alguns momentos desviamos e até retrocedemos o caminho. Porém, esse caminho é bem sinalizado, a porta da fé (lembremo-nos de que estamos no “Ano da Fé”) está sempre aberta para o retorno e o recomeço. Como disse o Papa: “Com efeito, também em nossos dias, muitos estão prontos a “rasgar as vestes” diante de escândalos e injustiças – naturalmente cometidos por outros -, mas poucos parecem disponíveis a agir sobre o próprio ‘coração’, sobre a própria consciência e sobre as próprias intenções, deixando que o Senhor transforme, renove e converta”.

Precisamos ler os “sinais dos tempos”, Bento XVI, desde que assumiu como “Sucessor de Pedro”, tem agido com ousadia, coragem e coerência, não buscando aplausos, mas a simples e pura verdade, que é uma pessoa a quem aderimos e seguimos, sem medo diante das turbulências e tempestades que assolam a “barca de Pedro”, pois está bem segura, sua âncora é o Cristo e quem segura o leme é digno de confiança.

Portanto, apesar de não haver nada de novo na fala de Bento XVI, o Romano Pontífice, com humildade e misericórdia, lembra a todos que compõem a Igreja que devemos olhar para nós mesmos e clamar em oração como o publicano e não como o fariseu hipócrita. Para, de tal modo, ser testemunha viva de Cristo em nossa sociedade hodierna profundamente mergulhada no relativismo, no niilismo, no hedonismo e no materialismo, além de seu desprezo aos valores, à ética e à dignidade da vida humana. Tudo isso produz um abismo existencial no homem contemporâneo que o desfigura e o faz perder o próprio sentido de sua vida. A Igreja ainda tem muito a falar e a testemunhar à nossa sociedade. É hora de buscarmos aquilo que é sólido, é hora de nos agarrarmos aos alicerces dos apóstolos, na rocha que é Pedro, é hora e é agora de convertermo-nos e crermos no Evangelho. Eis o tempo favorável, eis o dia da salvação (Is 49, 8), logo teremos outro “Servo dos servos de Deus” e ouviremos ecoar “Habemus Papam”.

 
 

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