Por
Murah Rannier Peixoto Vaz.
Na última quinta-feira
muito se propalou e alardeou acerca do pronunciamento do Papa Bento XVI,
realizado no dia anterior. Para compreendê-lo, devemos notar o contexto da
homília de Bento XVI, o tempo litúrgico que estamos vivenciando e as leituras
daquela quarta-feira de cinzas (Jl 2, 12-18; Sl 50; 2 Cor 20, 6-12; Mt 6,
1-6.16-18), início da quaresma, tempo forte de oração, jejum e caridade, tempo
de recolhimento e de conversão. Com o dizia a fórmula de imposição das cinzas
naquele dia: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15).
Para
a Igreja Católica, a conversão é contínua, todos os dias é tempo de conversão. O
esposo (Cristo) sempre se volta para a sua esposa (Igreja) a fim de santificá-la,
renová-la, purificá-la e apresentá-la “a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem
mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5,
25-28). No entanto, de modo especial, nesse período quaresmal é um momento de
sinalizar de modo mais concreto e objetivo, como tempo propício, verdadeiro kairós, tempo da graça, para todos e
cada um de seus fieis, membros do corpo que é a Igreja, cuja cabeça é o Cristo.
A
Igreja é santa porque querida e desejada pelo Pai, instituída/fundada pelo
Filho (Mt 16, 18) e guiada pelo Espírito Santo (Jo 16, 13) que a mantém na
verdade, renova-a, e a impulsiona. Todavia, a Igreja em seu seio é formada por
homens e mulheres santos e pecadores, homens e mulheres com virtudes e vícios,
que, às vezes, em alguns momentos se fecham à voz e à ação do Espírito Santo. Em
alguns momentos os pecados dos homens que formam a Igreja mancharam a sua
história, mas nem mesmo eles foram capazes de manchar a esposa de Cristo, não
foram capazes de afundar a “barca de Pedro”, pois o próprio Cristo prometeu
estar com sua Igreja até o fim dos tempos (Mt 28, 20).
Esses
homens e mulheres limitados e pecadores não foram, e jamais serão, capazes de
destruir a videira verdadeira (Jo 15, 1-2), pois o Pai continuamente a corta
para tirar dela aqueles ramos que não produzem frutos, mas aqueles que produzem
frutos Ele os poda para que produzam ainda mais fruto. A seiva da videira é o Espírito
Santo, permanecer na videira significa permanecer em Cristo e em sua graça, ou
seja, permanecer a frutificar. O corpo do Cristo que é a Igreja não foi
abandonado, Cristo não decepou a si mesmo, nem abandonou ou desonrou a sua
esposa (Igreja) pondo outra em seu lugar. Confiamos naquele que nos chamou: “Vem
e segue-me” (Mc 10, 21), e cremos na Palavra daquele que trocou o nome de Simão,
o pescador filho de Jonas, e disse: “eu te digo que és Pedro, e sobre esta
pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nunca prevalecerão
sobre ela” (Mt 16, 18).
Nessa
última quarta-feira de cinzas, 13 de fevereiro, Bento XVI foi um verdadeiro
profeta e bradou para que pudéssemos ouvir em clara voz, mostrando-nos de que
somos sempre necessitados de penitência e sincera conversão, mostrando-nos de
que não podemos nos encerrar em nós mesmos, arrogantemente e presunçosamente,
em uma falsa confiança de que já estamos bem, perfeitos em nossa caminhada de
fé e salvos desde já. Não, longe disto, a salvação é dada por Cristo, mas deve
ser conquistada e isso envolve nossa resposta pessoal. Estamos a caminho, em
algumas horas corremos rumo à meta, noutras paramos e ficamos estagnados.
Infelizmente, em alguns momentos desviamos e até retrocedemos o caminho. Porém,
esse caminho é bem sinalizado, a porta da fé (lembremo-nos de que estamos no
“Ano da Fé”) está sempre aberta para o retorno e o recomeço. Como disse o Papa:
“Com efeito, também em nossos dias, muitos estão
prontos a “rasgar as vestes” diante de escândalos e injustiças – naturalmente
cometidos por outros -, mas poucos parecem disponíveis a agir sobre o próprio
‘coração’, sobre a própria consciência e sobre as próprias intenções, deixando
que o Senhor transforme, renove e converta”.
Precisamos
ler os “sinais dos tempos”, Bento XVI, desde que assumiu como “Sucessor de
Pedro”, tem agido com ousadia, coragem e coerência, não buscando aplausos, mas
a simples e pura verdade, que é uma pessoa a quem aderimos e seguimos, sem medo
diante das turbulências e tempestades que assolam a “barca de Pedro”, pois está
bem segura, sua âncora é o Cristo e quem segura o leme é digno de confiança.
Portanto,
apesar de não haver nada de novo na fala de Bento XVI, o Romano Pontífice, com
humildade e misericórdia, lembra a todos que compõem a Igreja que devemos olhar
para nós mesmos e clamar em oração como o publicano e não como o fariseu
hipócrita. Para, de tal modo, ser testemunha viva de Cristo em nossa sociedade
hodierna profundamente mergulhada no relativismo, no niilismo, no hedonismo e
no materialismo, além de seu desprezo aos valores, à ética e à dignidade da
vida humana. Tudo isso produz um abismo existencial no homem contemporâneo que
o desfigura e o faz perder o próprio sentido de sua vida. A Igreja ainda tem
muito a falar e a testemunhar à nossa sociedade. É hora de buscarmos aquilo que
é sólido, é hora de nos agarrarmos aos alicerces dos apóstolos, na rocha que é
Pedro, é hora e é agora de convertermo-nos e crermos no Evangelho. Eis o tempo
favorável, eis o dia da salvação (Is 49, 8), logo teremos outro “Servo dos
servos de Deus” e ouviremos ecoar “Habemus
Papam”.
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