quinta-feira, 4 de abril de 2013

MANIFESTO AME-GOIÂNIA CONTRA A DISCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO


MANIFESTO AME-GOIÂNIA CONTRA A DISCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO



Dra Ana Paula Vecchi

 

Nesta semana o noticiário comum divulgou que o Conselho Federal de Medicina (CFM)  enviará ao Senado um parecer em que defende a liberação do aborto até a 12ª semana de gravidez. Segundo consta, o parecer foi aprovado pela maioria dos conselheiros federais e regionais de medicina, este órgão que representa 400 mil médicos brasileiros. Bem, mas eu pergunto: representa a opinião da maioria dos médicos brasileiros? Da maioria de nós que juramos “nunca causar dano ou mal a alguém”1 e não administrar “nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda”1? E literalmente juramos não dar “a nenhuma mulher uma substância abortiva”1? Certamente que não fomos consultados, apenas representados.

Os motivos alegados foram o alto índice de mortalidade e de internações de mulheres que fazem abortos clandestinos. De acordo com o conselho "o abortamento é uma importante causa de mortalidade materna no país, sendo evitável em 92% dos casos"2 e as complicações causadas pelo procedimento representam "a terceira causa de ocupação dos leitos obstétricos no Brasil"2. 

Vejamos o que consta nos Princípios e Diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher 20113:

 

Segundo Laurenti (2002), em pesquisa realizada nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, analisando óbitos em mulheres de 10 a 49 anos (ou seja, mulheres em idade fértil), as dez primeiras causas de morte encontradas foram as seguintes, em ordem decrescente: acidente vascular cerebral, aids, homicídios, câncer de mama, acidente de transporte, neoplasia de órgãos digestivos, doença hipertensiva, doença isquêmica do coração, diabetes e câncer de colo do útero.

A mortalidade associada ao ciclo gravídico-puerperal e ao aborto não aparece entre as dez primeiras causas de óbito nessa faixa etária. No entanto, a gravidade do problema é evidenciada quando se chama atenção para o fato de que a gravidez é um evento relacionado à vivência da sexualidade, portanto não é doença, e que, em 92% dos casos, as mortes maternas são evitáveis. (Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher : Princípios e Diretrizes / Ministério da Saúde. 2011. Pag 26)

 

Nas capitais brasileiras, para o ano de 2001, a Razões de Mortalidade Materna corrigida foi de 74,5 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos. As principais causas da mortalidade materna são a hipertensão arterial, as hemorragias, a infecção puerperal e o aborto, todas evitáveis (BRASIL, 2003). ((Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher : Princípios e Diretrizes / Ministério da Saúde. 2011. Pag 27)

 

Deste dado já percebemos que o problema é muito mais amplo, pois nossas mulheres estão morrendo muito mais por uma assistência precária ao pré-natal e ao parto que às consequências das praticas abortivas clandestinas.

Segundo a última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) (BENFAM, 1996) aproximadamente 13% das mulheres que tiveram filhos nos cinco anos que antecederam a pesquisa não haviam realizado nenhuma consulta de pré-natal. E em 2002 essa razão era de 4,4 consultas de pré-natal para cada parto3 (Tabnet SIA-Datasus e TabwinAIH-Datasus, 2003).

 

Apesar do aumento do número de consultas de pré-natal, a qualidade dessa assistência é precária, o que pode ser atestado pela alta incidência de sífilis congênita, estimada em 12 casos/1.000 nascidos vivos, no SUS (PN-DST/AIDS, 2002), pelo fato da hipertensão arterial ser a causa mais freqüente de morte materna no Brasil, e também porque apenas 41,01% das gestantes inscritas no Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) receberam a 2.a dose ou a dose de reforço ou a dose imunizante da vacina antitetânica, segundo o sistema de informação do Programa (BRASIL, 2002). (Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher : Princípios e Diretrizes / Ministério da Saúde. 2011. Pag 28)

 

Se o pré-natal ainda é precário o atendimento a parturiente também encontra dificuldades.

Nesta mesma diretriz 3 encontramos que “o aborto realizado em condições inseguras figura entre as principais causas de morte materna”, entretanto mais adiante os autores afirmam que “O atendimento às mulheres em processo de abortamento, no SUS, apresenta uma tendência de estabilização na última década, consequência possível do aumento de mulheres usando métodos anticoncepcionais e da elevada prevalência de laqueadura tubária”.

Segundo dados do SUS 43% das mulheres interrompem o método contraceptivo após 12 meses do seu uso. É o próprio Ministério da Saúde que aponta a falta de cobertura e orientação quanto aos métodos contraceptivos:

 

Apesar de estar definido na NOAS-SUS 2001 que as ações do planejamento familiar fazem parte da atenção básica e que estão entre as responsabilidades mínimas da gestão municipal em relação à saúde da mulher, muitos municípios não têm conseguido implantar e implementar estratégias adequadas de fornecimento de anticoncepcionais para a população, de introdução do enfoque educativo e aconselhamento visando à escolha livre e informada, assim como garantir o acompanhamento das usuárias.

Identificam-se ainda problemas na produção, controle de qualidade, aquisição e logística de distribuição dos insumos, manutenção da continuidade da oferta de métodos anticoncepcionais e capacitação de gestores, de gerentes e de profissionais de saúde. Isso tem resultado numa atenção precária e excludente, ou até inexistente em algumas localidades, com maior prejuízo para as mulheres oriundas das camadas mais pobres e das áreas rurais. (Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher : Princípios e Diretrizes / Ministério da Saúde. 2011. Pag 33)

 

Então nós vamos entendendo a dificuldade em que vive o SUS no atendimento  à mulher na gestação, parto e prevenção da gravidez. Os médicos que trabalham com saúde da mulher conhecem bem essa realidade! Faltam leitos para os partos de alta complexidade. E eu fico a pensar: se o aborto for realmente legalizado será um problema de ordem pública! Onde conseguiremos leitos para essas mulheres, se as maternidades estão lotadas? A outra pergunta que faço é de onde o SUS conseguirá verba para sustentar tantos abortos? Sim porque a estimativa do governo em 2005 é de 1 milhão de abortos clandestinos por ano!

Não encontramos dados do Governo Federal quanto ao seu gasto com contraceptivos, apenas uma referência no Datafolha 2007, estimando-o em 350 reais por mulher. Compare ao gasto de 350 a 450 dólares4 gastos pelo governo americano com cada aborto, é bem mais que o dobro!  É consenso que os gastos com prevenção são menores do que os de recuperação.5

Então essas medidas não justificam uma economia e nem mesmo em solução para as falhas no planejamento familiar e nem para diminuição da mortalidade materna. Países com uma realidade semelhante a nossa a legalização do aborto não mostrou diminuição de sua prática clandestina. Segundo KUNII, na Índia, onde o aborto é legalizado desde 1971, estima-se que dos cerca de 7 milhões de abortos anuais, somente 10% sejam realizados legalmente. Apesar da legalização, o aborto ainda é responsável por 12% das mortes maternas4.

Vejamos agora uma “justificativa” utilizada por muitos: a legalização do aborto acabaria por diminuir sua prática. Parece que também não é um argumento sustentável. Analisemos as economias em que a pratica do aborto é legalizada. Nos Estados Unidos, quando o aborto foi legalizado, em 1970, praticaram-se 200.000 abortos no país6. Em 1971 este número dobrou para 400.000 e hoje cerca de 1,2 milhões de mulheres por ano abortam nos EUA. Quatro décadas depois da histórica e polêmica decisão da Suprema Corte que descriminalizou o aborto nos EUA, alguns estados aprovaram, desde 2010, cerca de 130 leis para restringir o acesso das mulheres a esse procedimento. 7 Mais da metade da população desse país, hoje, não aprovam o aborto indiscriminadamente. (Datafolha 2013).

Na França a situação não é diferente. Em 21 de dezembro de 1974, a lei "Veil" sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG – Interruption Volontaire de la Grossesse) foi adotada pelo Parlamento Francês. Seu intuito primordial era de diminuir o número de abortos, sobretudo os clandestinos, que colocavam em risco a vida de mulheres (mais de 200.000 por ano). Entretanto, trinta anos mais tarde, o número continua o mesmo: um aborto para cada três nascimentos. Na Europa, os países em que o número de abortos diminuiu foram aqueles em que a esterilização foi promovida.8

Há um outro ponto, ainda, a discutir: as razões políticas internacionais que visam um controle da natalidade em países subdesenvolvidos.

Em torno de 1960, os países ricos, especialmente os Estados Unidos, que já tinham os países pobres sob sua dependência, passaram a pressionar governos do Terceiro Mundo para adotar uma política de população, inspirados nas idéias de Malthus9. Consideravam haver nos países ricos uma estabilidade no crescimento populacional e nos pobres uma explosão populacional, atribuindo a ela a responsabilidade pela fome, pela pobreza, pela degradação do meio ambiente e, sendo assim, a redução do crescimento populacional deveria ser a principal prioridade para os planos de desenvolvimento (SOF, 1994). Uma vez dependente do capital internacional, o Brasil se rendeu às entidades americanas consideradas de planejamento familiar, apesar da resistência de militares, da Igreja e do próprio governo, que justificavam a importância de uma grande população, tanto do ponto de vista estratégico como econômico10. Em 1965, no contexto de uma grave crise econômica e política, foi criada a BEMFAM (Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar no Brasil). Financiada por entidades internacionais e de interesses nitidamente controlistas facilitou o acesso das mulheres aos métodos contraceptivos, principalmente à pílula, através da distribuição gratuita, sem garantia de acompanhamento médico (RODRIGUES, 1990). Ela deslanchou em 1974, quando, a partir de um memorando secreto do secretário de Estado Henry Kissinger, o governo americano passou a despejar dólares e pressão diplomática em campanhas de esterilização no Brasil. Homologado quase integralmente pelo presidente Gerald Ford, em 1975, o Relatório Kissinger defende o aborto como método anticoncepcional e aponta o trabalho das mulheres fora de casa como um incentivo a “ter menos filhos”. Elege os países nos quais os EUA “têm interesses políticos e estratégicos”, o Brasil entre eles10.

Entendemos, então que a prática abortiva não soluciona o problema da saúde da mulher e ainda levanta o problema da natalidade e da influência dominadora, muitas vezes sutil, da cultura estrangeira.

Voltando à proposta dos Conselheiros do CFM, esses nossos representantes propõem a descriminalização do aborto em três novas situações: 

1.    gravidez por emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; 

2.     anencefalia ou feto com graves e incuráveis anomalias, atestado por dois médicos; 

3.    por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas para a maternidade.

 

Consideramos a primeira situação um tanto quanto esdrúxula: uma mulher ao ser fertilizada artificialmente sem o seu consentimento cabe processo penal ao médico ou quem quer que tenha praticado! É caso de polícia! Será mesmo que essa situação é frequente? De fato não existem estatísticas para tal.

A segunda situação é grave porque não bastasse a liberação do aborto do anencéfalo no ano passado, agora estamos propondo o aborto de um feto por ele “não ser normal” ou por ser um “doente incurável”! Será mesmo que um recém nascido sadio é sinônimo de vida sem doença? Dentro desta filosofia deveríamos eliminar todo adulto com doença incurável, eu diria que sobrariam poucos ou nenhum,  pois quem está livre da hipertensão, do diabetes, das doenças autoimunes, das neoplasias, das infecções crônicas?

Se o feto tem um defeito genético ou não, não justifica sua eliminação! Porque terá pouco tempo de vida, também não. Ora se um recém- nascido saudável adquirir uma infecção hospitalar grave, também poderá morrer em poucas horas. Uma mãe com uma gravidez de um feto normal poderá entrar em trabalho de parto prematuro e o feto falecer por imaturidade pulmonar (doença das membranas hialinas) em poucos dias. Um feto saudável não é garantia de sobrevida longa! Quem pode decidir quem vive, quem morre? Só quem nunca trabalhou com familiares de crianças com problemas congênitos pode dizer que é melhor para os pais o aborto, “evita sofrimento!”. Esses profissionais não sabem como os pais vibram e comemoram cada conquista de seus pequenos, mesmo que essas sejam apenas um bocejar. Estar com essas crianças mesmo que por poucas horas após o nascimento permite a eles encerrar um ciclo, vivenciar um luto! Em suas consciências fizeram tudo o que podiam, “aproveitaram o máximo a vida de seu filho”! Já o aborto seria uma interrupção deste processo. Uma lacuna muitas vezes preenchida com o vazio. Nós profissionais da saúde deveríamos nos lembrar de todos esses aspectos emocionais, espirituais e religiosos dessas famílias antes de nos atermos somente no fatalismo técnico. Antes de indicar o aborto de um anencéfalo lembrar que a vida em geração é muito mais do que simples órgãos! Eliminar um anencéfalo ou um feto com anomalias graves é relembrar os absurdos realizados pelo nazismo!
A terceira situação representa a legalização indiscriminada do aborto, pois não existe a necessidade de um atestado de condições psicológicas para a gestante. Ou seja, é a aprovação simples e clara do aborto. E me desculpem, conselheiros, não representa a vontade pura e exclusiva da mulher, posto todas argumentações já colocadas anteriormente. Uma mulher de baixa escolaridade, com pouco apoio no seu pre-natal, com orientação precária dos métodos contraceptivos, com jornadas de trabalhos extra (pois ainda é a responsável pelo serviço doméstico), com seu emprego ameaçado pela maternidade, num pais em que a família muitas vezes é sustentada por ela, sem a garantia de apoio do pai de sua criança... essa mulher é induzida a decidir!

E as nossas meninas? Estão sendo educadas para preservarem o seu corpo, a sua sexualidade? São esclarecidas o suficiente e possuem autonomia plena para exigirem o uso de contraceptivos, sobretudo o preservativo, em suas relações? Autonomia é liberdade esclarecida!

A valorização da mulher e dos seus direitos não deverá ser exercida assim: eliminando o problema, como a eliminar a mama para se evitar o câncer, mas buscando soluções verdadeiras e profundas. É preciso melhorar antes a prevenção para que a saúde da mulher e de seus filhos sejam preservadas!

Cabe a nós médicos aliviar, consolar, promover a saúde, na plena exaltação da vida!

 

 

BIBLIOGRAFIA:

1.    Juramento de Hipócrates. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3

2.    Cíntia Acayaba. Conselho de Medicina defende liberação do aborto até 12ª semana. 21/03/2013. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/03/medicos-defendem-liberacao-do-aborto-ate-12-semana-de-gestacao.html

3.    Brasil . Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher : Princípios e Diretrizes / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,  Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – 1. ed., 2. reimpr. Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2011.

4.    Hugo Hideo Kunii. Por que não legalizar o aborto? Disponível em: http://www.pr.gonet.biz/index-read.php?num=827

5.    João Carlos Navarro de Almeida Prado. Educação fundamental, Direito à Maternidade, Paternidade Responsável e o Direito Social ao Planejamento familiar. Disponível em : http://www.pge.ac.gov.br/site/arquivos/bibliotecavirtual/teses/IBAPtesesPDF/Educacaofundamentaldireitoamaternidade.pdf

6.    Felipe Aquino. Número de abortos aumenta com a legalização. Disponível em: http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=9452

7.    Estados limitam aborto nos EUA 40 anos após liberação. Folha. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1218398-estados-limitam-aborto-nos-eua-40-anos-apos-liberacao.shtml. 22/01/2013-05h00

8.    Celuy Roberta Hundzinski Damásio. Aborto: trinta anos de legalização. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/044/44damasio.htm).

9.    COELHO, E. A. C. et al. O planejamento familiar no Brasil contexto das políticas de saúde: determinantes históricos. Rev.Esc.Enf.USP, v. 34, n. 1, p. 37-44, mar. 2000.

10.  (Nilson Lage e Carlos Chernij . filhos da pobreza. Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/21681_FILHOS+DA+POBREZA)

 

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