segunda-feira, 27 de junho de 2011

RERUM NOVARUM: A REVIRAVOLTA DA IGREJA CATÓLICA E O SURGIMENTO DE SUA DOUTRINA SOCIAL

Em 1891, com a publicação da encíclica Rerum Novarum, a Igreja Católica, sob o pontificado de Leão XIII, deu uma verdadeira guinada que revolucionou o mundo das relações do trabalho e fez-se notar que uma “reconciliação da Igreja com o mundo moderno estava começando” (p. 28).
Essa encíclica foi o ponto de partida para a elaboração progressiva da Doutrina Social da Igreja e “recolhe o fruto de quase 50 anos de estudos e discussões” (MARTINA, Giácomo, Apud in: R. Gutierrez, E, p. 17) a respeito das questões sociais e do mundo do trabalho. A Rerum Novarum também serviu como resposta da Igreja Católica ao “Manifesto do Partido Comunista”, publicado em 1848, por Engels e Marx, e a influência liberal presente na obra "Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações" publicada por Adam Smith cerca de cem anos antes da publicação da encíclica e que naquele momento era o pilar de sustentação do liberalismo.
O mundo estava entre o bloco capitalista e o nascente bloco socialista e em meio a essa queda de braço a RN rejeita e condena o comunismo e o socialismo, faz também severas críticas ao liberalismo pela concentração de renda nas mãos de uns poucos como conseqüência do sistema capitalista.
Todavia, a encíclica não ficou apenas nas críticas, mas fez também propostas e orientações éticas claras, como: “o trabalho não é uma mercadoria; a determinação de seu valor não pode ser entregue às forças livres do mercado; não basta o livre acordo entre as partes para que o salário seja justo, porque o trabalhador, movido pela necessidade pode aceitar qualquer retribuição” (R. Gutierrez, E. p. 26). Quanto à isto, no parágrafo 63 da RN, Leão XIII faz a afirmação de que há “uma lei de justiça natural mais elevada e mais antiga”. Dessa justiça natural é que brotarão os germens da justiça social da Igreja.
A RN apresenta a primeira fundamentação da Doutrina Social da Igreja sobre a propriedade privada, o surgimento dessa fundamentação se estrutura assim:
1 – Existência de problemas quanto à questão operária;
2 – Resposta socialista para resolver o problema;
3 – Rejeição dessa proposta pela Igreja e a afirmação do direito legítimo à propriedade privada, com o posicionamento ético frente ao liberalismo.
Leão XIII descreve o tema da justiça social na propriedade como: importante, difícil, perigoso e urgente, já que se trata do bem “das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida” (RN 5).
A rejeição ao socialismo, com sua transferência dos bens ao Estado como único proprietário, é feita em nome do direito dos operários como “legítimos possuidores” e pela “desnaturação das funções do Estado” que, ao invés de cumprir sua missão garantindo o direito à propriedade privada, age com violência contra os proprietários legítimos de bens e institui-se como o único proprietário do qual todos os outros recebem apenas a concessão ou outorga, que dá o direito de uso-fruto dos bens.
De tal modo, além de perder o que já possui, o operário perde também a possibilidade de, através de um honesto trabalho, adquirir bens e propriedades como conquista própria que lhe pertença e sirva a si e a sua família como mediação que lhe garanta a “sua sustentação e às necessidades da vida” (RN. 9).
No entanto, a encíclica leonina, ao abordar o direito à propriedade não se refere apenas aos bens de consumo, mas também aos meios de produção que podem ser adquiridos por meio das economias, ou seja, do excedente de legítimo salário do trabalhador. Daí a importância do estabelecimento de um justo salário que leve em conta as necessidades e legítimos direitos do trabalhador e de sua família. Salário justo é entendido pelo Pontífice como aquele que garante ao operário dignas condições de vida, adequada subsistência de sua família e possibilidade de poupança para enfrentar os imprevistos da vida. Portanto, o salário deve ser suficiente para que o trabalhador poupe e possibilite o acesso à propriedade dos meios de produção. A isso, é claro, Leão XIII afirma que será possível mediante a conversão das pessoas por meio da educação cristã das consciências (Cf. RN 29-34).
Alguns pontos da encíclica que devem ser levados em conta:
O trabalho faz parte da vocação de cada pessoa (RN. 29);
O direito à propriedade é um direito natural (RN. 5-6);
O direito de propriedade é diferente de seu uso (RN. 19);
Estabelece-se a “dignidade do trabalhador” e a “dignidade do trabalho” (Cf. RN. 130 e 114 s);
Os operários devem poder formar um patrimônio, um pequeno “pecúlio” (RN. 30, 65) e isso só pode ocorrer por meio de um justo salário (RN. 32, 61-67);
O repouso dominical e a delimitação das horas de trabalho são outras justas reivindicações, enfatizadas de tal modo que o operário não seja sobrecarregado excessivamente (RN. 32);
Pede que se leve em consideração a condição das mulheres e das crianças que, por sua índole natural, não podem ser submetidas a tarefas violentas (RN. 33);
Alça o direito natural às associações como algo legítimo e necessário para a proteção do trabalhador;
O auxílio aos indigentes e desprovidos de meios pessoais deve ser provido por parte do Estado (RN. 29). Nasce aqui o princípio de subsidiariedade ainda que não se use esse termo, posteriormente utilizado na Encíclica Quadragesimo Anno de Pio XI.
CONCLUSÃO
Pio XI, em sua encíclica Quadragesimo Anno de 1931, diz que a encíclica Rerum Novarum é a “Magna Carta” dos operários (QA 39). Ainda hoje o pensamento de Leão XIII, aprofundado pelos seus sucessores, é discutido, citado e defendido em livros e jornais, mesmo em meios não católicos. O centro do pensamento leonino é a dignidade da pessoa humana e do trabalho. Por seu valor atual está presente até mesmo nos Parlamentos e Tribunais, por meio das leis estabelecidas através dos princípios da sociologia católica aplicada pelas autoridades civis.
Contudo, ainda há muitos desafios na atualidade e até mesmo retrocessos e coisas novas que vão surgindo. Faz-se necessário “arregaçar as mangas”, como diz em outras palavras o Papa João Paulo II, no ano do Centenário da encíclica: “Para responder às exigências concretas do Evangelho, não vos bastará uma comemoração, em data precisa, da Rerum Novarum, nem vos bastará todo este ano que dediquei ao estudo do pensamento social da Igreja. Estai convictos de que se trata de um canteiro sempre aberto, de um canteiro a que todos são chamados para que toda a humanidade, na precariedade de sua condição, responda sempre melhor à sua divina vocação” (extraído de L’OSSERVATORE ROMANO, 05/03/91, p.2).
BIBLIOGRAFIA:
LEÃO XIII. Carta Encíclica Rerum Novarum.
PIO XI. Carta Encíclica Quadragesimo Anno. São Paulo: Paulinas, 2004.
R. GUTIERREZ, E. De Leão XIII a João Paulo II. Cem anos de Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2005.

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