terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

BARRAGENS - UM DESASTRE ECOLÓGICO, SOCIAL E CULTURAL NO SUDESTE GOIANO




Murah Rannier Peixoto Vaz


Há pouco mais de dez anos, desde que se privatizou o setor elétrico brasileiro no governo Fernando Henrique Cardoso, boa parte da produção, transmissão e distribuição da energia elétrica foi entregue para as mãos da iniciativa privada, ou seja, quase tudo entregue para grandes grupos econômicos internacionais. De lá para cá tem surgido o interesse de expandir a área energética com a construção de novas usinas hidrelétricas e assim surgiu uma grave ameaça para rios e extensas áreas de terra ainda preservadas com a construção de barragens para a geração de energia em nosso país. Somente em Goiás há a proposta de construção de oitenta barragens, sendo vinte e duas delas localizadas no Sudeste goiano.
Também está na memória dos brasileiros a grave crise energética, vulgarmente chamada de “apagão”, que teve seu ápice no ano de 2001, porém, não se justifica a construção de barragens sem as devidas precauções, sem estudos geológicos, geográficos e de impacto ambiental, cultural e social. Ainda poderíamos fazer uma imensa crítica à falta de interesse e de estudos por parte do governo em outras formas de obtenção de energia limpa e renovável em um país tropical como o Brasil, onde há sol e vento em boa parte do ano, podendo extrair-se energia solar e eólica.
As barragens são a mais recente ameaça ao bioma cerrado, já não bastasse tudo o que foi destruído para abrir áreas de criação de gado e áreas de agricultura monocultora onde se perdem de vista as lavouras de soja, cana etc. Nós, moradores do bioma cerrado, devemos nos preocupar, pois diz-se que hoje pouco mais de 20% da vegetação não sucumbiu sob a mão do homem. Ao pensar em construir uma usina hidroelétrica que deixará várias glebas de terra com imensas áreas de mata e com fauna e flora preservadas irem para debaixo d’água, é preciso ter tempo para fazer um aprofundado estudo no desequilíbrio ecológico que será gerado, tendo em conta todos os possíveis problemas que venham a surgir e pesar na balança se vale a pena ir em frente. Mas quando não há como evitar este mal é preciso estudar e buscar formas de transferir os exemplares da fauna para outras áreas e, também, coletar e preservar alguns exemplares da flora típicos do local, sem provocar outros desequilíbrios em outras áreas. Saiba-se, contudo, que a mortandade da fauna e, principalmente, da flora ainda assim é gigantesca.
Com a imensa envergadura deste projeto chamado “Barragem Serra do Facão” no rio São Marcos, bacia do Alto Paraná, não é possível querer ser imediatista, pois todos os problemas se não são bem pensados podem ter efeitos catastróficos. Além da irreversibilidade da destruição e do desaparecimento de espécies endêmicas de fauna e flora, e inclua-se nisso espécies até mesmo desconhecidas da ciência, há outras questões que tem efeitos irreversíveis, como, o êxodo rural de pessoas que durante toda sua vida trabalhavam no campo. Alguns por gerações estiveram nessas terras que agora serão inundadas, abandonarão suas raízes culturais e afetivas, e terão que se adaptar a vida urbana, muitos deles, aumentando os bolsões periféricos dos municípios, perdendo, entre tantas outras coisas, a sua própria dignidade de vida.
Entre o desequilíbrio sócio-cultural há uma mão dupla: o êxodo rural de pessoas dos próprios municípios atingidos e o processo migratório que atrai pessoas de diversas cidades e estados para trabalharem na construção da barragem. Isto traz uma falsa ilusão de desenvolvimento, de progresso, todavia, após o término das obras ficam todos sem emprego e, as usinas depois de construídas irão gerar ínfimos sete empregos diretos. Para aqueles que deixaram suas terras surge um grave problema: não têm outra experiência a não ser o trabalho no campo e o trabalho braçal. Como não há tantas opções de empregos, nem mesmo cursos profissionalizantes para lhes apontar outras direções, observa-se uma grande possibilidade de desemprego generalizado que forçará estas pessoas a novos processos migratórios dentro do Estado e do país.
Grupos e movimentos sociais de vários segmentos organizados da sociedade, como a Diocese de Ipameri com o forte apoio das Paróquias de Catalão, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB - Seção Catalão), a Associação dos Docentes – Campus de Catalão (ADCAC), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) e o Sindicato dos trabalhadores das Mineradoras (METABASE) iniciaram estudos e compreenderam que haviam grandes danos sócio-ambientais e lutaram tenazmente para combater o avanço das obras. Iniciou aí a criação de um movimento popular de resistência à obra, entretanto, se não foi possível impedi-las, pois se trata de um jogo de interesses de grandes grupos, ao menos foi possível conseguir mais tempo para se planejar como lidar com os problemas que a usina acarretará.
Alguns desses mesmos grupos e movimentos auxiliaram nos cadastros dos proprietários e funcionários de terra atingidos pela barragem e encontraram mais de uma centena de pessoas que não estavam na lista oficial do projeto Serra do Facão, dezenas de famílias que teriam suas terras expropriadas e não receberiam nem um centavo por elas. Além do cadastro tem se lutado por uma justa indenização aos atingidos pela barragem, pois a oferta inicial era, no mínimo, ofensiva, não cobriam o valor real das terras e de suas benfeitorias. Várias têm sido as conquistas em favor dos atingidos pela barragem, porém, ainda assim, temos o sentimento de uma grande perca, pois não foi possível o impedimento da execução da obra.
Só futuramente poderemos avaliar o quão prejudicial terá sido o impacto causado por esta obra colossal e feita para atender o interesse imediatista do governo cobrado por grandes grupos de mercado em detrimento ao interesse dos pequenos, pobres e marginalizados.

Um comentário:

  1. É, amigo. Infelizmente esse é o modus operandi das centenas desses empreendimentos que estão se espalhando pelo nosso cerrado. Hoje quase não temos crianças fora das escolas, mas descobrimos que ter conhecimento não garante o despertar de consciência. A maiora da população é favorável a essas barragens porque usam uma palavra mágica chamada "emprego", tão bem desmistificada no seu texto.
    Abraço.

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