Por Pe. Murah Rannier Peixoto Vaz
A história sempre é cíclica e tem uma oscilação do pêndulo da história de um extremo a outro. A filosofia nos mostra que o caminho do meio é o caminho do equilíbrio. Não devemos estar nos extremos. Também a teologia nos fala que aquilo que falta ou aquilo que passa pode gerar pecado. Demais ou de menos pode ser uma realidade problemática em nossa vida.
Antigamente, haviam uma forte influência de uma teologia da libertação de linha teológica de índole marxista e ela ainda existe. Ainda que com menor força e expressão, mas com ferrenhos defensores ainda. Por outro lado, hoje há alguns grupos de católicos sem maior profundidade em algumas áreas teológicas da Igreja que veem teologia da libertação em tudo. Basta citar algo do Compêndio da Doutrina Social da Igreja e já vão dizer que aquilo é teologia da libertação, que a pessoa que está afirmando o que nele está contido é de esquerda, etc. Puro desconhecimento do rico tesouro da Doutrina Social da Igreja, contido dentro desse Compêndio.
O
Compêndio da Doutrina Social da Igreja é um documento que reúne e sistematiza
os ensinamentos da Igreja sobre questões sociais, políticas e econômicas, com o
objetivo de fornecer uma base para a reflexão e ação dos cristãos no mundo, em
vista de construir uma civilização do amor. A sua criação foi inspirada
por São João Paulo II, que desejou uma compilação clara e acessível da Doutrina
Social da Igreja. O Compêndio foi elaborado pelo Pontifício Conselho
Justiça e Paz e publicado em 2005, aprovado pelo Papa.
Alguns
que se situam nesse âmbito mais crítico sobre qualquer questão toque o termo “social”
até chegam em sua ignorância a dizer que o "Não existe pecado social.
Existe pecado pessoal". Sim, de fato, os pecados são pessoais, é sempre
uma pessoa que peca, mas os pecados das pessoas podem gerar estruturas de
pecado, que constituem um pecado social e que induzem e até influenciam as
pessoas pecar. Portanto, existe sim o pecado pessoal e também o pecado social
gerado por ele. Uma coisa é certa, ninguém é fruto do meio, mas o meio
influencia sim a pessoa e induz a sociedade para o bem ou para o mal. Sobre
isso, afirma o Catecismo:
Assim,
o pecado torna os homens cúmplices uns dos outros e faz com que a
concupiscência, a violência e a injustiça reinem entre eles. Os pecados dão
origem a situações e instituições sociais contrárias à bondade divina.
'Estruturas de pecado' são a expressão e o efeito de pecados pessoais. Elas
levam suas vítimas a praticar o mal, por sua vez. Em sentido análogo,
constituem um 'pecado social' (Catecismo da Igreja Católica, Nº 1869).
O
Compêndio da Doutrina Social da Igreja fala que:
Alguns
pecados, ademais, constituem, pelo próprio objeto, uma agressão direta ao
próximo. Tais pecados, em particular, se qualificam como pecados sociais. É
igualmente social todo o pecado cometido contra a justiça, quer nas relações de
pessoa a pessoa, quer nas da pessoa com a comunidade, quer, ainda, nas da
comunidade com a pessoa. É social todo o pecado contra os direitos da pessoa
humana, a começar pelo direito à vida, incluindo a do nascituro, ou contra a
integridade física de alguém; todo o pecado contra a liberdade de outrem,
especialmente contra a suprema liberdade de crer em Deus e de adorá-l’O; todo o
pecado contra a dignidade e a honra do próximo. Social é todo o pecado contra o
bem comum e contra as suas exigências, em toda a ampla esfera dos direitos e
dos deveres dos cidadãos. Enfim, é social aquele pecado que «diz respeito às
relações entre as várias comunidades humanas. Estas relações nem sempre estão
em sintonia com a desígnio de Deus, que quer no mundo justiça, liberdade e paz
entre os indivíduos, os grupos, os povos» (Compêndio da Doutrina Social da
Igreja, Nº 118).
Quanto
à questão da política, é bom lembrar que “tudo é política, ainda que a política
não seja tudo”. Quando nos posicionamos enquanto Igreja contra o aborto, contra
a ideologia de gênero, contra o racismo, a discriminação social, ou outras
realidades que ferem os valores do Evangelho, estamos sempre fazendo política.
Pois isso também é política pública, essas realidades demandam leis a favor ou
contrárias. Esperamos que sejam contrárias. Também ocorre o mesmo, mas em
sentido positivo, quando nos posicionamos a favor da família, da vida, dos
direitos humanos, do trabalhador, na defesa do meio ambiente, etc. Por isso,
todo posicionamento não é mera defesa teológica da fé, mas também um
posicionamento social e político. E defender esses valores à custo da
perseguição, difamação, deboche, é também assumir a missão de Cristo e da
Igreja de transformar a sociedade de dentro dela, à exemplo da parábola do
fermento que leveda a massa e a muda. Tão pequeno e que a faz crescer, fazendo
a diferença inserido dentro dela.
Diante
do risco de interpretações equivocadas e críticas injustas, devemos estar
atentos às filigranas de termos teológicos, ou seja, os pequenos detalhes que
fazem toda a diferença na interpretação e no sentido daquilo que se combate ou
defende. Concordo com a reflexão, sou contrário à TL de índole marxista, mas
não podemos ficar vendo esse modelo de Teologia da Libertação em qualquer termo
ou ação que vise a justiça social, descuidando daquilo que também faz parte do
mais básico do Evangelho que é a prática da caridade e a busca de transformação
da nossa realidade. Olhar para a "cidade de Deus", sem perder os
olhos da "cidade dos homens" (Cf. Sto. Agostinho), ou seja, buscar as
coisas do alto, mas sem descuidar das nossas responsabilidades e da missão de
amar e servir os mais pequeninos de Jesus.
Jesus
assumiu tudo que era próprio da nossa humana. Como diz a teologia, "Só
pode ser redimido aquilo que é assumido". Não há como olharmos realidades
que firam a dignidade do ser humano e ficarmos de braços cruzados a assistir.
Sem descuidar da Salvação, precisamos também lutar para transformar essas
realidades ou ouviremos do "Divino Mestre": ""Então ele
dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos, para o
fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos. Pois eu tive fome, e vocês
não me deram de comer; tive sede, e nada me deram para beber; fui estrangeiro,
e vocês não me acolheram; necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive
enfermo e preso, e vocês não me visitaram’. "Eles também responderão: ‘Senhor,
quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou necessitado de roupas ou
enfermo ou preso, e não te ajudamos?’ “Ele responderá: ‘Em verdade vos digo: O
que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim
deixaram de fazê-lo’ (Mt 25, 41-45).